OPINIÃO

'A Paz é a tranquilidade da ordem' (S. Agostinho)

31/12/2023 | Tempo de leitura: 3 min

Em outubro de 1968 o então Papa Paulo VI instituía o Dia Mundial da Paz, cuja primeira celebração ocorreu a 1º de janeiro de 1969, abordando o tema "A Promoção dos Direitos do Homem, Caminho Para a Paz". De fato, ela se inspirou na celebração do vigésimo aniversário da proclamação dos Direitos do Homem, ocorrido em 12 de dezembro de 1968, pela ONU.

"Na verdade - disse Paulo VI - para que ao homem seja assegurado o direito à vida, à liberdade, à igualdade, à cultura, a desfrutar dos bens da civilização, à dignidade pessoal, é necessária a Paz. Onde quer que esta venha a perder o seu equilíbrio e a sua eficiência, os Direitos do Homem tornam-se precários e ficam comprometidos; onde não há paz, o direito perde o seu caráter humano. Mas onde não há respeito, defesa e promoção dos Direitos do Homem - quer dizer, onde se comete violência ou fraude contra as suas liberdades inalienáveis, onde se ignora ou se degrada a sua personalidade, onde se observam discriminações, escravatura e intolerância - aí não pode existir a verdadeira Paz. Porque Paz e Direito são reciprocamente causa e efeito entre si: a Paz favorece o Direito, e por sua vez, o Direito favorece a Paz".

"A paz é a tranquilidade da ordem", dizia com grande brilhantismo Santo Agostinho. Com efeito, como pretendemos uma regularidade da ordem social, se o próprio ser humano cultiva um grande egoísmo, distanciando-se da solidariedade e da fraternidade? Apesar de todos os agurios e felicitações típicas dessa época, os paradoxos continuam: por um lado, todos querem a paz; por outro, como em nenhuma época, a humanidade enfrenta terríveis conflitos; os direitos humanos são desrespeitados, as desavenças se multiplicam e não se explicam, e a crise é geral, acentuada em proporções alarmantes.

Assim, não haverá prosperidade, tão desejada nos votos de "boas festas", enquanto persistir a concentração de riquezas nas mãos de poucos; as gritantes injustiças cometidas sob os mais frágeis argumentos; a corrupção devassadora e outros males provocados pela prevalência das questões econômicas sobre as sociais - verdadeiros acintes aos valores cristãos. E voltamos, após as comemorações, a vivermos em constante tensão, preocupados com a sobrevivência e isolados em nossos mundos particulares.

Diante da ameaça que paira sobre todos, é hora de assimilarmos gestos de boa vontade e unirmos nossas mãos em atitudes concretas de partilha, para a construção de uma nova sociedade, em que as desigualdades não sejam tão ostensivas e chocantes e o Direito possa efetivamente regular a ordem, para progredirmos em conjunto rumo a tão almejada paz, compreendida como fruto da eliminação da miséria e do desenvolvimento integral de todos os povos.

Os princípios indicados pelo Papa Paulo VI supramencionados, deveriam constantemente embasar nossas condutas, para obtermos uma convivência mais justa e pacífica. E para que esses propósitos possam ser transformados em realidade, necessitamos continuar firmes na luta para reduzir as distâncias sociais, oferecendo a todos, condições dignas de educação, saúde, moradia, emprego, cultura e lazer. Efetivamente a vida está mais dura pela distância dos homens à sensibilidade, ao amor verdadeiro, ao respeito ao próximo e ao direito alheio. Por outro lado, a gigantesca desigualdade social provoca uma situação de insegurança em todos os sentidos, além do que, os que deveriam trabalhar pela melhora desse quadro, ignoram-no de forma a agravar o relacionamento humano e a piorar as condições de milhares de pessoas.

Nesta época do ano sobram simpatias, análises, cultos esotéricos e religiosos para que tudo melhore. Sobram desejos e pedidos de paz, prosperidade, saúde. Ao encerrarmos, esperamos sinceramente que as mudanças concretas se sobreponham aos sentimentos repentinos ou as manifestações artificiais.

JOÃO CARLOS JOSÉ MARTINELLI é advogado, jornalista, escritor e professor universitário. É ex-presidente das Academias Jundiaienses de Letras e de Letras Jurídicas. Autor de diversos livros (martinelliadv@hotmail.com)

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do SAMPI

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