Fomos inundados por essa triste notícia semana passada. O fim de mais uma entidade centenária.
E lendo os comentários e falando com os amigos, muitos usaram palavras duras. Revolta pelo fim desse espaço. Claro que isso é muito triste, mas é preciso compreender que se trata de algo inevitável.
Mas antes dessa discussão, se faz interessante entender a história deste local.
Tudo começa com o café, que se expandiu pelo estado de São Paulo mudando sua economia, cultura e sociedade. Novas demandas surgiam. Cinemas, teatros, clubes esportivos e gabinetes de leitura (locais com livros comprados a pedido dos sócios, além de um grande número de periódicos - jornais e revistas - que ficavam à disposição para leitura e informação).
Em 1882, por exemplo, um jundiaiense chamado José Feliciano de Oliveira (com apenas catorze anos de idade) propôs à Câmara Municipal a criação de um Gabinete. Para tal contou com o apoio de mais de quarenta cidadãos, incluindo, segundo informações colhidas, toda a família Queiroz Telles, inclusive o Barão de Japy, o senhor José Flávio Martins Bonilha (bisavô do meu querido amigo Dr. Flávio Martins Bonilha), o major Carolino Bolívar de Araripe Sucupira, e tantos outros ilustres da Terra Querida. Essa ideia, entretanto, não foi para a frente.
Demorou mais de vinte anos para que um gabinete fosse formado na cidade. Exatamente no dia 28 de abril de 1908, Conrado Augusto Offa, João Xavier Dias da Costa e outros 65 funcionários da Companhia Paulista de Estradas de Ferro fundaram o Gabinete de Leitura de Jundiaí. A ideia era "proporcionar aos habitantes de Jundiaí não só livros que possam aumentar a soma de conhecimentos que possuem como também um centro de agradável e proveitosa diversão". A instituição contava com uma biblioteca de 104 títulos, sendo que 75 obras foram requisitadas pelos sócios. Possuía também 17 folhetos, assinava 3 jornais de fora e 2 jornais locais.
Em 1922, a Câmara Municipal de Jundiaí promulgou lei que autorizava a Prefeitura Municipal "está autorizada a construir, na área do prolongamento da Rua do Rosário (...) um prédio com as acomodações necessárias para o perfeito funcionamento do Gabinete de Leitura de Jundiaí". Um ano depois a instituição passou a se chamar Gabinete de Leitura Ruy Barbosa, "em homenagem ao político e jurista baiano" que tinha acabado de falecer.
Os anos se passaram. Muitas gerações frequentaram aquele belo espaço. Eu mesmo fui sócio, dos meus 15 anos até os 20, 21 (carteirinha 5923). Lá conheci muita gente bacana, aprendi muita coisa boa e matei muita aula, fugindo das exatas e me afundando nas enciclopédias e biografias. Depois fui para a faculdade, a internet apareceu e a vida me fez parar de ir lá.
Mas não só eu. Todos pararam de ir. A vida e a dinâmica da informação não passam mais por materiais impressos. Tudo está na internet. Na palma da mão.
Somamos isso à rapidez desse mundo pós-moderno.
Infelizmente, assim como o orelhão, o CD e o jornal impresso, os gabinetes se tornaram obsoletos.
Mas de quem é a culpa?
De ninguém. A vida é assim. Existem coisas que começam e terminam.
O poder público sempre fez todo o possível para apoiar essa entidade particular. Até sua sede foi construída e ampliada pelo erário.
Podemos culpar o desinteresse das pessoas pela leitura? Pode ser. Mas ao mesmo tempo, a aquisição de livros e de informação hoje é mais democrática. E atenção: o Gabinete servia APENAS aos seus associados. É importante lembrar disso. A cultura e a informação estavam à disposição apenas para quem podia pagar.
O fim do Gabinete de Leitura Ruy Barbosa não é o fim de seu acervo. Nem de sua linda história. Nem das suas ricas memórias. Enquanto escrevo essas linhas, por exemplo, sentado à minha frente, o amigo Flávio Bonilha e eu conversamos e debatemos que tanto a cultura como a informação devem ser universais. E mesmo com os problemas do mundo atual, não só associados de uma instituição têm esse privilégio.
Que bom.
Samuel Vidilli é cientista social (svidilli@gmail.com)
Comentários
1 Comentários
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Reynor Cirino Bonilha 20/12/2023É de fato triste fim do Gabinete de Leitura ...pois como Bisneto de José Flávio Martins Bonilha,fico realmente chocado, mas como disse o Misivista..... É o tempo....!!!