Quando Taylor Swift surgiu para o mundo em 2006, num momento que a internet dava seus primeiros passos rumo a digitalização da música, eu fiquei completamente apaixonado pela menina loira de cabelos cacheados que cantava country. Ela entrava no meu panteão de deusas que possuíam meu amor platônico.
Como todo amor platônico, ensina Platão, não ser correspondido é a base que o sustenta. Amor platônico é Éros e Éros é desejo, ou seja, amor na falta. Quando você satisfaz um desejo, o amor acaba, logo, um amor platônico de verdade tem como premissa não se realizar. O que eu quero dizer com essa volta filosófica é que amores platônicos são feitos de uma pessoa que ama e de outra que não ama de volta.
Tudo bem ela nunca ter correspondido meu amor, fiz muito pouco para que isso acontecesse na verdade. O problema é que essa não reciprocidade eu vi acontecer entre a "loirinha" e seu público, um dos mais fieis e eufóricos que eu já vi e que, ao contrário de mim, fez e faz de tudo para deixar claro esse sentimento por ela.
Eu sou muito fã de duas bandas: U2 e Coldplay. Já fiz muita loucura para vê-las de perto, como por exemplo, atravessar o planeta ou dormir na calçada. Por causa disso, eu sei muito bem o que os fãs da Taylor Swift sentiram com os perrengues enfrentados para ver o show. Só que eu consigo perceber uma diferença muito grande entre a minha experiência com o U2 e o Coldplay e com os shows da "Eras Tour" da diva pop norte-americana. E eu estou falando do tratamento que cada artista dá ao seu público.
Desde sempre o U2 é preocupado com o bem-estar de seus fãs. Em 1986, no famoso concerto do Live Aid, Bono viu que uma fã passava muito mal na grade da pista que recebia cerca de 40 mil pessoas. Enquanto a música rolava, o vocalista tentou alertar os seguranças e teve que descer do palco para socorrer a fã. Hoje em dia, o U2 se preocupa muito com a segurança dos seus fãs entes, durante e depois do show, oferecendo alternativas para que os fãs não precisem ficar horas na fila para entrar no estádio, por exemplo.
Com o Coldplay as coisas não são muito diferentes. Nos shows do Brasil em 2023, muita água foi distribuída para os fãs que estavam na pista, principalmente no Rio de Janeiro, onde o calor é bem forte. A última do grupo britânico aconteceu há duas semanas, na Austrália. Dois vôos que iam para Perth - local do show - foram cancelados e muitos fãs não conseguiram chegar na cidade para ver o espetáculo. Problema deles, certo? Errado! O Coldplay anunciou que voltará para Austrália no final de 2024 e garantiu ingressos gratuitos para os fãs que foram prejudicados pelos cancelamentos dos vôos. E vale lembrar que rolou uma homenagem na Malásia à uma fã que morreu semanas antes da apresentação da banda. Teve música dedicada, foto no telão e tudo.
A Taylor Swift precisa salvar fãs esmagados na grade? Não. Precisa dar ingressos gratuitos para quem perdeu o vôo para o show? Não também. Mas ela precisa mostrar que se importa.
Nenhuma menção no palco sobre Ana Clara Benevides, a não ser uma nota em seu Instagram de lamentação sobre a morte da fã e um convite para a família da fã ir até o camarim da artista. Também não houve muito respeito aos fãs que já lotavam o Engenhão-RJ para ver o show e que souberam, menos de três horas antes do início do espetáculo, que ele seria adiado para dois dias depois. É bem verdade que o problema com a distribuição de água foi resolvido, mas o silêncio de Taylor Swift fala mais alto.
O que eu quero dizer é que os fãs dão muito e recebem o mínimo: o show. Repito, ela não é obrigada a fazer mais do que faz em cima do palco. Claro que não. Mas como artista que é que movimenta um público fanático e cheio de amor, o mínimo é pouco. Por isso há aqueles que vão preferir recorrer ao Oasis e parafrasear a banda britânica quando eles cantam em "Don't Look Back In Anger": "por favor não ponha a sua vida nas mãos de uma banda de rock n'roll que jogará tudo fora".
No fim, penso que sou um privilegiado. Meus relacionamentos com as bandas que escolhi amar são saudáveis e felizes. Tipo aquele romance correspondido.
Conhecimento é conquista.
Felipe Schadt é jornalista, professor e cientista da comunicação (felipeschadt@gmail.com)