OPINIÃO

Um tiro no escuro

22/11/2023 | Tempo de leitura: 3 min

Infelizmente não temos, aqui no Brasil, o hábito ou mesmo o interesse em saber o que seja de nossos vizinhos.

Muitos brasileiros nem se enxergam como latinos. O que é uma grande lástima.

Somos todos filhos da América. Temos os mesmos sofrimentos. Somos explorados. Subestimados. Mas temos, por outro lado, uma força, uma alegria, uma beleza que não há em outro lugar do mundo. Mesmo assim, com tanto que nos une, na alegria e na tristeza, entendemos pouco ou quase nada do que se passa entre nossos hermanos.

Quando fui ao Chile, todos sabiam muito sobre música brasileira: de Gal Costa, Gil, Bethânia a Michel Teló. E eu não conhecia nada deles (hoje sou um ouvinte incansável de Inti-Illimani, Quilapayun e Los Jaivas). A mesma coisa com a política. A relação das pessoas com o período de terror da ditadura chilena, violentíssima.

Quando fui ao Peru, as mesmas questões. Somente lá aprendi a amar Chabuca Granda e Eva Ayllón. Confesso que a política lá ainda me confunde, mas consigo entender as mudanças bruscas de poder. Assim como na Bolívia, no Paraguai.

E na Argentina?

É, a coisa é mais embaixo lá. Não só geograficamente.

Vou tentar contextualizar para vocês. Apenas tentar...

A Argentina se tornou o país que conhecemos lá pelo meio do século XIX. Antes disso, Buenos Aires não tinha o controle das províncias. Quando isso ocorre, o país investe de forma agressiva em escolas e em incentivos à pecuária. Essa receita funcionou. Em 1896, o PIB argentino era maior que o da França, do Império Alemão e da Itália. Mas essa riqueza toda estava quase inteiramente concentrada nas mãos de uma oligarquia rural. O povo permanecia pobre. Muitas injustiças. Muita pobreza apesar da linda cidade de Buenos Aires, dos muitos prédios em estilo europeu.

Nesse cenário nasce lá pelos anos 1930, 1940, o peronismo. Trata-se de um movimento político e social local que tem suas raízes nas ideias e liderança de Juan Domingo Perón, um político argentino que serviu como presidente do país de 1946 a 1955 e de 1973  até sua morte em 1974.

Desde seu surgimento, o peronismo tem sido interpretado e implementado de maneiras diferentes ao longo dos anos, resultando em diferentes correntes dentro do movimento. O movimento também foi associado a períodos de instabilidade política na Argentina, incluindo golpes militares e polarização política. Apesar das variações, porém, ele continua a ser uma força altamente significativa na política argentina. Mas não são únicos. De uns tempos para cá, ventos mais conservadores têm soprado na terra do papa.

A insatisfação com a classe dirigente, também. A inflação hoje ultrapassa os 140% e faz com que a população perca poder de compra. O povo, ultrajado, cansado, tem a seguinte opinião: não dá para querer algo diferente fazendo (e votando) nas mesmas coisas (e pessoas).

Nesse caos, sempre surge alguém laureado como "salvador da pátria". O "antissistema". Segundo alguns amigos portenhos, ao invés de pular numa piscina vazia com os olhos abertos, resolveram vendá-los. Vai que algo diferente aconteça...

E assim, no último domingo, resolveram eleger um total "outsider". Aposta alta demais.

Não vou aqui passar a ficha corrida de Javier Milei. Caso tenham curiosidade de saber quem é essa figura, basta "googlear". E sim, trata-se de um ser assustador.

Vai dar certo?

Ninguém sabe...

Samuel Vidilli é cientista social (svidilli@gmail.com)

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do SAMPI

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