OPINIÃO

Mudanças

18/11/2023 | Tempo de leitura: 3 min

Eu queria escrever uma crônica sobre relacionamentos. Enquanto eu dirigia até o trabalho eu tinha o texto pronto na cabeça, mas o download de uma borracha mental apagou todas as minhas ideias e agora estou aqui sem nada.

Bem...

Essas linhas são tudo que tenho.

Quando eu era criança, por volta dos meus seis anos eu tinha uma coleção completa de bonecos dos Power Rangers, daqueles que viravam a cabeça.

Um clássico dos brinquedos da década de 90.

Em cada ocasião meu pai me dava um. Aniversário, dia das crianças, Natal. Teve vezes que ele me deu pra comemorar alguma conquista dele. Quando ganhou um aumento ou quando trocou de carro.

Meu pai gostava de ver o cuidado que eu tinha, aquela coleção era tão dele quanto minha.

Marceneiro desde criança, ele até fez um estojo de madeira, bem grande, para que eu pudesse guardar os bonecos. Hominhos, como eu e meus amigos gostávamos de chamar.

Quando nos mudamos de casa, alguns deles se perderam e outros se quebraram. Fiquei duplamente triste. Primeiro por ver minha coleção construída por quase dois anos ser diminuída e segundo por saber que com isso eu estava desapontando meu pai. Pois além de brinquedos ele havia me dado a responsabilidade de zelar dos Power Rangers. Eu era como o Zordon, olhando de cima os heróis enquanto brincava com eles.

Pra minha surpresa, meu pai não me recriminou. Apenas passou a mão em minha cabeça enquanto eu chorava em frente à caixa de madeira agora mais vazia e me disse que tudo bem. Que faz parte da vida, que mudanças tem mesmo esse poder de desalinhar certas coisas e ressignificar outras tantas. Confesso que não entendi bem suas palavras, mas respirei aliviado por não receber uma reclamação pelos brinquedos.

A minha brincadeira agora era diferente. Eu criava um contexto onde alguns dos heróis foram mortos em uma batalha difícil e os guerreiros sobreviventes lutavam contra todo o mal, compensando a falta dos companheiros.

Eu assistia a série na tevê antes de ir pra escola, mas nas minhas brincadeiras criava um roteiro alternativo. Talvez seja a primeira história que criei, mesmo que nunca a tenha escrito.

Se eu fui o roteirista desta história, meu pai foi o diretor.

Ele sempre foi muito bom em nos apoiar, saber quando se aproximar e direcionar e quando se afastar pra nos deixar voar sozinhos. Mesmo que esse voo fosse uma brincadeira sentado no chão da sala.

Da mesma forma que perdi pra sempre alguns daqueles bonecos perdi também as palavras que estavam em minha cabeça hoje pela manhã. E assim esse texto mudou completamente de rumo.

É como dizia meu pai: "Mudanças têm mesmo esse poder de desalinhar certas coisas e ressignificar outras tantas."

Esse texto não é nada daquilo que eu imaginei ou queria, mas sinto que foi importante lembrar dessa parte da minha infância. Aceitar a perda dessa ideia, desse rumo.

Ressignificar essas linhas.

Posso não ter falado sobre relacionamentos amorosos, da minha percepção sobre coisas que permeia esse assunto. Mas sinto que muito do que foi meu relacionamento com meu pai me direciona para meus relacionamentos amorosos e até mesmo de amizades ou profissionais.

Enfim, mudanças tem mesmo esse poder de desalinhar certas coisas e ressignificar outras tantas.

Jefferson Ribeiro é autor e cronista (jeffribeiroescritor@gmail.com)

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do SAMPI

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