OPINIÃO

Todo garoto deveria ter um Tio Pituca

Por |
| Tempo de leitura: 4 min

Ontem eu estava em São Paulo dentro do metrô e vi entrar um sujeito gordo e negro com o rosto identico ao do meu Tio Pituca - apelido do Celso Ferreira. O problema é que meu tio faleceu em setembro do ano passado e, para minha felicidade, não era ele ali no vagão da linha amarela do metrô. Senti muita saudade do meu tio e gostaria de dividir o porquê.

Desde que eu nasci, ou melhor, antes mesmo de eu sair da barriga da minha mãe, meu tio esteve por perto. Ele e minha tia - irmã do meu pai - brincavam que minha mãe não passava de uma barriga de aluguel e que na verdade eu era filho deles. O carinho nutrido por mim antes mesmo da gestação rendeu aos dois o título de padrinhos do Felipe aqui. E foram padrinhos de tudo: de batismo, catequese, crisma, formatura, casamento...

Cresci com a presença deles e me lembro que em todas as minhas férias escolares, sem exceção, o roteiro seguia o mesmo: ele praticamente me buscava na porta da escola no último dia de aula para passar as férias com ele em São Paulo. E era nesse período que ele realizava todos os meus sonhos de garoto. Acho que ele fazia isso porque eram os sonhos dele também.

Uma vez ele me levou ao antigo "Parque do Gugu" e tenho memórias vívidas daquele passeio, um dos mais divertidos da minha vida. Ele me incentivou a ir em todos os brinquedos e a comer tudo que eu tivesse vontade. Eu só queria que aquele dia não acabasse nunca.

Esse foi só um dos incontáveis passeios que fizemos para infinitos lugares no qual eu e ele éramos uma dupla de crianças completamente loucas para desbravar todas as possibilidades de diversão que tínhamos direito. Ele me chamava de "Pitê", o "Pitê Doido". Juntos éramos o "Pitê e Pituca". A dupla dinâmica inimiga do baixo astral.

Além disso, foi um dos responsáveis pela minha formação como homem. Me ensinou coisas que jamais me esquecerei e que me ajudou a vencer muitas adversidades da vida. Ele me tratou como um filho e eu o tratei como um pai. Fui uma daquelas crianças abençoadas que tinham duas figuras paternas presentes. Que sorte a minha.

Ele esteve presente na grande maioria dos momentos mais importantes da minha vida. Me incentivou a ganhar o mundo independente da forma que eu queria ganhar. Lembro muito bem de um telefonema de aniversário (raro, pois na grande maioria das vezes, ele estava comemorando pessoalmente comigo) no qual ele não falou nada e começou a bater nas cordas de um violão que tinha comprado pra mim. Foi por causa desse violão que minha história com a música começou e toda minha formação musical se iniciava com as revistinhas de cifras que tinha canções de uma tal de Legião Urbana. Mas a primeira música que aprendi naquele violão era feita com apenas uma corda e quatro notas: Ré, Lá, Si e Sol, as notas de "With or Without you", do U2, e o resto é história.

E falando em aniversário, no meu de dez anos, as coisas estavam financeiramente bem ruins para gente lá em casa o que impediu meus pais de me darem uma festa de aniversário que era usual para mim. Sem poder convidar meus amigos, porque não teríamos um bolo, meu tio saiu de São Paulo num dia de semana, encostou o seu guincho na rua, me pegou pela mão, subiu na padaria e comprou ingredientes para minha mãe fazer o bolo e um monte de brigadeiros gigantes para serem os docinhos da festa. Eu chorei muito igual tô chorando agora só de lembrar disso. E ele também chorou, já que era o mais chorão de nós dois.

Chorou quando eu chorei. Riu quando eu ri. Brigou quando eu mereci. Me defendeu quando eu precisei.

Eu sempre gostei muito de "Um maluco no pedaço" e eu sempre me colocava como o Will e o colocava como o meu "Tio Phill". Eles até se pareciam. Eu adorava essa comparação e de como a série fazia sentido pra mim na nossa relação. Mas o tio Pituca era de verdade. Acertava, errava, ensinava, aprendia e nunca se envergonhava de sentir. Ele sempre se divertiu como o garoto que sempre foi. Pra minha sorte, ele gostava de se divertir comigo. Por isso e por tantas outras coisas que eu tenho certeza de que todo garoto deveria ter um Tio Pituca.

Até a próxima diversão, tio. Conhecimento é conquista.

Felipe Schadt é jornalista, professor e cientista da comunicação (felipeschadt@gmail.com)

Comentários

Comentários