Foi sempre na mesma casa, nesta rua, no Jardim Bonfiglioli, que vi o seu José Munarolo. De baixa estatura, nunca o vi sem um chapéu na cabeça. Ver vi sim, mas foi numa tarde de julho, no início da década de 1980, quando ele deixou este mundo.
Este seu José que não esqueço, conheci, bem criança, na década de 1950, quando eu tinha quatro, cinco, seis anos. Gostava de ouvir as suas histórias, contadas com emoção, com detalhes... Seu José, que sempre chamei de "vô", mantinha um sorrindo constante, falando sobre seu tempo de trabalho na pedreira do lado de lá da Anhanguera. E as histórias ocorriam sempre nas tardes de domingo.
Eu gostava de sentar no degrau da porta da sala para ouvi-lo falar, contar, rir ou até se emocionar com suas histórias. Às vezes se levantava de uma cadeira da sala, porque sofá ou poltrona não haviam, gesticulando como o personagem de sua história. Eu ficava ali, com o queixo apoiado na mão, olhando aquele homenzinho, lembrando de histórias de 30, 40 anos passados. E contada com uma riqueza de detalhes que me deixava ainda mais orgulhoso de tê-lo como meu avô.
Gostava quando ele dizia que "... o finado fulano..." e, na minha mente infantil, eu entendia que esta pessoa havia falecido. E me sentia feliz pelas conclusões que tirava.
Foi com ele que aprendi a tomar meu cafezinho, vício que tenho até hoje. Mas o que eu gostava mesmo era do pacotinho de bala que ele nos entregava. Nem que fosse bala de mel, não tinha problema. Era gostosa da mesma forma. Era dada pelo meu avô!!!
Junto com seu José moravam minha tia Teresa e tio Geraldo. Tempos depois ela se casou e foi morar em Várzea Paulista, tendo falecido no ano passado, enquanto Geraldo, o mais novo dos irmãos de dona Angelina, também se casou e levou consigo meu avô.
Além de minha família, aquelas tardes de domingo reuniam ainda os outros irmãos de minha mãe: João, Valdemar e Antonio. E, claro, os filhos deles. E era com os filhos deles, meus primos, que a gente se divertia na velha rua Marrocos. Naquele tempo, uma rua de terra, onde nunca passava carro e a gente cansava de brincar de "mocinho e bandido" ou correr pelo barranco que havia bem defronte a casa onde meu avô morava.
Além de "mocinho e bandido", as brincadeiras variavam desde "balança caixão" até "mãe da rua", passando pelo "lenço atrás", "esconde lenço", "passa anel", "batatinha frita" e "telefone sem fio". Brincadeiras inocentes, brincadeiras de crianças. Brincadeiras que não existem mais hoje...
Já no quintal da casa, a brincadeira preferida era "esconde-esconde". Um forno de pão e um pé de amora eram meus esconderijos preferidos. Às vezes subia no pé de amora, colhia algumas frutas e ia saboreá-las atrás do forno, enquanto meus primos não me encontravam.
As lembranças são muitas, as histórias de seu José, inesquecíveis! Mas o marcante era sua forma de se despedir. Um aperto de mão, mas nunca, em momento algum, um "tchau" como despedida. Um largo sorriso nos lábios acompanhava o aperto de mão, seguindo-se de uma frase que nunca vou esquecer: "passar bem!"
E como saudade é uma máquina do tempo que nos transporta para a época ou o lugar que queremos, a lembrança do pequeno e velho José me faz mais novo, mais alegre, mais vivo, mas não deixa de impedir que uma pequena mas insistente lágrima atrapalhe a visão atrás do óculos. E a vida cria em nossas mentes álbuns de lembranças, que folheamos, rimos e choramos. Sempre que percebemos que a vida continua. E é um continuar sem fim, movido pela palavra saudade...
Nelson Manzatto é jornalista (nelson.manzatto@hotmail.com)