O que aconteceu para um dos restaurantes mais tradicionais da cidade resolver fechar suas portas?
Até pensei em falar com o Homero, com o Zé Carlos, perguntar o motivo específico. Mas não sou jornalista (muito menos investigativo). E, honestamente, cabe a mim respeitar a decisão dos meus amigos que, acredito, não deve ter sido fácil.
Para responder essa pergunta poderia também tecer uma crítica à modernidade que tudo destrói, que faz com que tudo o que faz parte de nossa história de vida vá sumindo. Poderia encarnar uma versão (obesa) de Don Quixote e lutar contra essa mania de novos lugares apenas instagramáveis, cheios de pessoas que não nasceram na cidade e que não valorizam as boas coisas da terra querida. Bobagem. idiotices. Nem eu sou nascido aqui, apesar de uma vida inteira nessa cidade que tanto amo.
Outra opção seria maldizer a pandemia e seus nefastos efeitos na economia, que tem maltratado todos nós.
Nada disso.
Porque, afinal de contas, tudo isso já sabemos.
Não.
Eu quero dar meu testemunho sobre uma parte da minha vida (e creio piamente que na de muitos) que vai se encerrar em dezembro, quando os salões da Rua Bom Jesus de Pirapora vão se fechar e a cozinha mais incrível, dos quitutes mais deliciosos, vai encerrar seus trabalhos em definitivo.
Vou tratar aqui de descrever um lugar onde o tempo não passa. Ali parece que o Samuel menino ainda vive.
Nostalgia e alegria se misturam ao subir as rampas e ver as mesmas cadeiras forradas, a coleção de garrafas de cerveja, o balcão de madeira com a presença dos seus donos, que me recebem com a mesma amabilidade desde criança, quando ia com meus pais quase toda a segunda-feira. Era o único lugar da cidade aberto para jantar nesse dia da semana.
O cardápio sempre variando entre os filés e as pizzas, mas o "couvertzinho" nunca mudava: torradinha com patezinho que inicia o paladar para o prato principal.
Os garçons vestindo suas camisas brancas, coletes e calças pretas, além, claro, das indefectíveis gravatas-borboleta.
Mesmas toalhas, mesmas cadeiras forradas com tecido. Quadros nas paredes à venda.
Nada mudou nesses anos. Nem a simpatia dos donos, nem o atendimento eficiente e tampouco a deliciosa comida.
Neste lugar engatei e acabei relacionamentos (o prato do término foi um filé à parmegiana), fiz política e amizades (que guardo até hoje), comemorei sucessos e levei muitos amigos de fora da cidade para que experimentassem a pizza inigualável (uma turma de curitibanos sempre se lembram da pizza portuguesa diferente de tudo o que já haviam experimentado). Apenas um casal próximo não gostou. Problema deles. Não do lugar. Muito menos meu (eles vão ler isso e espero que riam dessa lembrança: meu amigo jundiaiense com a namorada - atual esposa - de outras paragens).
Meu pai, convalescendo no hospital, só queria saber de uma coisa: comer um filé do Chopão. Foi a estratégia para que ele se animasse a se recuperar com mais rapidez. De tanta vontade (e com asco da comida servida para os internados) ele usou isso como um incentivo a mais para receber a alta. E ao chegar em sua casa, matou a vontade. Comida com sabor de vitória.
Um dia fui lá e, como sempre, paguei a conta no caixa. Era a oportunidade para uma conversa. O Homero olha para mim e pergunta minha idade.
- Quarenta e um.
- Todos passados um pouco aqui.
- Graças a Deus. Em grande estilo, comendo o que há de melhor.
Fiquei emocionado. E acredito que ele também.
Estou triste pelo fim dessa era.
Mas feliz pelas inúmeras lembranças desse lugar que fez parte de Jundiaí. E da minha vida.
Samuel Vidilli é cientista social (svidilli@gmail.com)
Comentários
1 Comentários
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VIVALDO JOSE BRETERNITZ 25/10/2023O único problema é o café... simplesmente horrível.... Mas a casa vai deixar um enorme vazio.