OPINIÃO

O fenômeno da apolítica

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Neste domingo aconteceu o Primeiro Turno das eleições para o Executivo Federal na Argentina. O candidato Javier Milei, de extrema-direita, garantiu sua vaga na disputa do Segundo Turno, obtendo 29,98% dos votos até o momento em que eu finalizava este texto. Ele foi batido de forma surpreendente por Sergio Massa, candidato governista, que recebeu 36,68% dos votos.

Mas as eleições estão longe de terminar – e apontam para um fenômeno – mais um – que emerge da extrema direita, representada por Milei. Javier Milei, de 52 anos, é um personagem de visão no mínimo conturbada, agressivo em sua fala e negacionista da política tradicional.

A Argentina, assim, une-se a um triste fenômeno que vem acontecendo em todo planeta: candidatos que fazem política negando a política. Para mim, esta é a forma mais desleal, traiçoeira e oportunista de fazer política.

Primeiro, porque os candidatos outsiders usam os mesmos recursos dos políticos tradicionais; e segundo que, ao ganhar, seguem utilizando toda a estrutura política para continuar negando a política tradicional.

Esse perfil de político não tem compromisso com nenhuma causa, pois não possui base e muito menos estão preocupados com seus eleitores. Afinal, seus discursos são mera oportunidade para abordar assuntos que sofrem algum tipo de reprimenda do povo, em maior ou menor escala, mas estes ultradireitistas se limitam a construir uma narrativa para aquilo que querem propagar.

Além disto, essas pessoas não possuem qualquer compromisso com regiões ou cidades e como não discutem o desenvolvimento socioeconômico, mas se limitam ao que conhecemos como 'pautas de costumes', acabam ganham espaços e votos pois trabalham com narrativas e situações de fácil entendimento – e assim nasce uma nova figura nas políticas nacionais ou internacionais.

No caso de Milei, vale lembrar algumas coincidências no modus operandi de outros políticos de direita: ele ficou conhecido na Argentina com grande participação em talk shows; se declara "anarcocapitalista" (uma corrente que defende privatização ampla e a quase ausência do Estado em questões-chave); quer dolarizar a economia local.

Por fim, em uma de suas declarações mais recentes e bombásticas, venceu as eleições primárias com o discurso de que "os políticos deveriam levar um chute no traseiro". (Não foi essa a expressão que ele disse. Eu é que tomei o cuidado de amenizar o discurso chulo e pobre.)

Traçando um paralelo e trazendo o problema para o Brasil, nosso Congresso Nacional conseguiu transformar nossas próprias eleições num procedimento sem graça e de elite – efeito obtido graças às inúmeras alterações na legislação eleitoral nos últimos 20 anos, somado ao fato de que a Justiça Eleitoral não tem estrutura técnica adequada.

Para mim, os brindes que eram distribuídos anteriormente eram uma forma muito eficaz de fazer o indivíduo com menos capacidade cultural e intelectual de participar do processo político.

Essa monotonia do processo eleitoral também foi responsável por fazer com que figuras apolíticas começassem a ganhar espaço, tirando de cena candidatos de ação política organizada.

Só resta aguardar para ver o que o futuro nos reservará, mas ainda continuo acreditando na atividade política convencional.

Marcelo SIlva Souza é advogado e consultor jurídico

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