Opinião

A coxinha do recreio

21/10/2023 | Tempo de leitura: 3 min

Quando eu era criança, não gostava de livros, achava eles chatos, coisa de gente muito inteligente e metida. É até engraçado pensar que um escritor já tenha tido esse pensamento, mas a vida tem dessas.

Eu me lembro que ia pra escola com o dinheiro trocado para o lanche. A coxinha do recreio era minha parte preferida na escola. Eu achava bem mais legal que as frações e os tipos de relevos do Brasil.

Afinal de contas, qual criança deseja aprender o Tratado de Tordesilhas?

Por várias vezes eu me escondi na biblioteca para comer minha coxinha sozinho e não precisar dividir com os colegas. Afinal de contas, ninguém ia à biblioteca.

Para nós, meninos de onze anos, lá era um lugar chato, afinal... Só tinha livros.

Em um desses meus sumiços egoístas para não ter que dividir a merenda, eu vi um livro, uma revista em quadrinhos toda colorida. De dois gauleses. O título era "Asterix e Obelix". Inicialmente as cores me chamaram atenção. Resolvi folhear e me vi interessado em ler as aventuras daqueles dois heróis atípicos. Com suas poções mágicas e o divertido druida Panoramix.

Peguei a revista emprestada e levei pra casa, li em dois dias. Devolvi e peguei outra. Depois outra e outra até que não tivessem mais histórias de Asterix pra ler. Foi quando comecei a ler os livros da turma da rua quinze, depois um tal de "Escaravelho do Diabo" e assim não parei mais. Descobri que a leitura podia ser legal, pois diferente das aulas de literatura eu não lia o que me era imposto, mas o que eu queria, o que despertava o meu interesse. Perdi a conta de quantos livros eu julguei pela capa e me encantei pelos desenhos.

As capas dos livros de Agatha Christie eram as melhores, faziam meus olhos brilharem! Nas aulas de literatura a professora mandava ler e fazer um resumo de "Memórias Póstumas de Brás Cubas" e de "Dom Casmurro". Eu lia arrastado, pois eu preferia as aventuras do Poirot ou do Sherlock Holmes. Não queria saber se Capitu traiu ou não Bentinho.

Hoje os clássicos de Machado de Assis são um dos meus preferidos. Mas é que na época faltava maturidade. Tanto de idade quanto literária. Mas louvada seja a coxinha do recreio que me levou pra biblioteca.

Tem livros que a gente precisa ler no tempo certo. Precisa ter bagagem, lastro...

Monteiro Lobato dizia que "Um país se faz com homens e livros". Acredito muito na veracidade desta frase pois muito de quem eu sou, do escritor que me tornei se deu devido ao momento que minha vida cruzou esse mundo literário.

Escrever pra mim é um desabafo, mas acima de tudo uma forma de tentar tocar outros assim como fui tocado. É tão inusitado quanto cômico pensar que um livro de histórias em quadrinhos iniciou alguém na literatura. Inicialmente como leitor e depois como escritor.

É divertido trilhar esse caminho de trás pra frente e ver onde tudo começou...

Pensar que se não fosse aquela coxinha, talvez eu estaria falando que esse tal de Monteiro Lobato ou Machado de Assis são chatos.

"Ah não quero ler, vou esperar sair o filme..."

Ou qualquer outra frase do tipo. Mas se um país se faz com homens e livros, então espero que a cantina das escolas seja do lado das bibliotecas, pois independente do motivo, torço pra que quem entre em uma biblioteca nunca mais saia dela.

Até mesmo porque é impossível terminar a leitura de um livro do jeito que começamos.

Seja ela um quadrinho, ou clássico nacional.

Jefferson Ribeiro é autor e cronista (jeffribeiroescritor@gmail.com)

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do SAMPI

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