Opinião

O que o U2 me ensinou sobre a guerra

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Na última semana, o mundo assistiu chocado o início de um novo conflito entre Israel e Palestina. Bom, todo mundo, menos eu. Eu estava imerso em pleno deserto de Nevada, EUA, para assistir aos meus 11º e 12º shows do U2. O que eu não sabia, era que no meio de um dos espetáculos, eu reaprenderia uma lição muito valiosa sobre a guerra.

Quando os rumores começaram a ser ventilados sobre o U2 fazer uma residência - uma serie de shows no mesmo local - em Las Vegas, eu já comecei a me movimentar para poder estar presente. A banda irlandesa iria inaugurar uma nova casa de espetáculo chamada de Sphere (Esfera em inglês) que prometia ser o local mais moderno para apresentações musicais no mundo. "Um salto quântico nos shows audiovisuais", dizia-se.

Após me organizar financeiramente, preparei toda a logística e aguardei pacientemente para os dois shows que assistiria. E se você não me conhece, saiba que eu sou uma pessoa muito apaixonada e intensa nas coisas que me proponho a fazer. Diferente das pessoas ansiosas, eu não sofro antes do fato, mas quando o fato chega, eu o vivo de corpo e alma. Foi exatamente isso que aconteceu quando eu pisei em Vegas e vi a Sphere com meus próprios olhos.

Portanto, nada mais me importava. O meu mundo se resumia ao U2 e tudo o que eles fariam dentro daquela bola gigante de 112 metros de altura com um telão de 54 mil metros quadrados (equivalente a oito campos de futebol) e seus mais de 50 milhões de luzes de LED. Eu estava tão imerso que nem prestei atenção nas notícias de que uma guerra estava prestes a explodir entre Israel e Palestina após um atentado do grupo paramilitar Hamas que deixou dezenas de mortos no território israelense.

No dia seguinte ao atentado, eu estava dentro da esfera gigante me sentindo uma criança em um parque de diversões, completamente alheio ao mundo fora daquele lugar. Eu me reencontrava com a minha banda favorita quatro anos depois da última vez que os vi ao vivo.

Fui despertado pelo mesmo sujeito que me fazia sonhar nas areias do deserto norte-americano. Após uma sequência avassaladora de imagens que ilustravam as músicas do celebrado álbum Achtung Baby!, Bono acalma as ânimos da plateia e joga um balde de água fria no público, nos puxando pelo pé para fora daquele paraíso. Ele nos lembrava que uma guerra estava acontecendo.

"Cantar agora uma música que fala sobre não violência parece ridículo e até mesmo risível", disse o vocalista enquanto falava sobre a guerra. "Mas nossas orações sempre foram pela paz", completou antes de entoar um dos maiores hinos do U2, Pride, in the name of love. Nesse instante eu me lembrei da primeira vez que vi uma performance do U2 ao vivo.

Um salto no tempo e eu me vejo assistindo um show do U2 pela TV. Sentado no sofá da minha sala, eu vi o Bono usando uma faixa nos olhos com a palavra "Coexista", no qual o C era representado pela Lua do Islã, o X pela Estrela de Davi dos judeus e o T pela Cruz do Cristianismo. A mensagem era clara até mesmo para mim, um adolescente de 17 anos: é possível coexistir! É preciso coexistir.

Foi o que eu tentei explicar uma vez numa das minhas aulas de história. A pergunta que meus alunos do sexto ano do ensino fundamental me fizeram, quando a apostila sugeriu um texto que falava sobre o conflito entre judeus e palestinos, foi: "Por que Israel e Palestina brigam, professor?". A resposta que eu dei na época - e daria hoje - é: "Porque cada um dos países se acham no direito de ter um território específico e, como não conseguem chegar em um acordo, brigam por esse território".

Um aluno, mais ousado, perguntou: "E quem está certo?". Dessa vez, fiquei sem resposta. Pedi para eles pensarem. Dei as perspectivas históricas desses dois povos e estiquei eles a encontrarem a resolução para esse problema. Se é que existe uma.

Bom, talvez exista. Talvez Bono esteja certo e a única coisa que possamos fazer é orar pela paz. Talvez o caminho seja realmente a coexistência. Mas e até lá? O que vai acontecer? Muitas perguntas. Poucas respostas. Infinitas incertezas. É isso que uma guerra promove, além de dor e sofrimento.

Fim do show. Eu ainda assistiria a mais um. A mágica continuaria e o sonho também. Mas dessa vez com um dos pés na triste realidade que o mundo vai enfrentar nos próximos dias.

Conhecimento é Conquista

Felipe Schadt é jornalista, professor e cientista da comunicação (felipeschadt@gmail.com)

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