Opinião

A vida não tem botão de continue

12/10/2023 | Tempo de leitura: 3 min

Pode ser lido ouvindo o "Anjo mais velho", do Teatro Mágico

Quando eu era criança ia com meus pais todo domingo na missa. Era uma tradição familiar. Pra mim, a parte mais importante da missa era a pipoca que comíamos no fim da celebração. Eu era criança e não entendia a cerimônia.

Até que um dia minha mãe me falou que o sermão era a parte mais importante de toda a missa. Pra mim ainda era a pipoca, mas resolvi prestar mais atenção ao que o padre falava.

Teve um sermão que me marcou muito, onde ele falava da morte e da vida eterna. Ouvir uma fala que descrevia a morte apenas com um rito de passagem me fez pensar pela primeira vez no pós-morte. Era uma reflexão muito pesada para uma criança de oito anos. Eu só me preocupava com a hora que passava "Cavaleiros do Zodíaco" na tevê e em quando minha mãe me chamava para tomar banho. Agora precisava me preocupar com o que seria de mim depois que eu morrer? Fiquei assustado.

Poucos meses depois a minha avó faleceu e novamente me vi pensando na morte, e se ela iria para o céu ou para o inferno. Novamente tive medo.

Será que eu era digno de ir pro céu depois que morrer? Ou por ter furado duas vezes a fila da merenda no recreio de quarta iria direto ao andar debaixo, na casa do chifrudo?

E desde esse dia eu passei a ver a morte com certo respeito, entender que ela era a ultima fase da vida, tipo aquelas fases com chefão em jogos de videogame. Depois que passou dela zerou e sobem os créditos. Mas a vida não tem botão de reset ou memory card...

É uma só...

Chance única!

Acho que por isso a morte sempre mexeu comigo. Sempre enxerguei esse fim como uma despedida forçada. Até hoje vem aquela sensação de que não teve como dar um último adeus. Não quero que o último diálogo que tive com alguém seja "muçarela ou calabresa?".

Eu tinha um amigo que ria de me ouvir falar assim, dizia que era um pouco exagerado da minha parte. Lembro dele com saudade. Pois ele se foi.

Os papos sentados na calçada, as brincadeiras de infância e as confidências trocadas. Todas as lembranças que se foram. Acho que essa é a pior parte da morte, bem, pelo menos pra quem fica. A saudade de tudo vivido e que nunca mais voltará. Esse fim forçado, tipo quando eu ficava até tarde jogando Super Nintendo e minha mãe puxava o fio da tomada e me mandava ir dormir. Era o fim! Com a diferença que no outro dia eu podia recomeçar e tentar mais uma vez.

A vida parece um jogo de console, mas sem segunda chance. Digo isso com tristeza. Meu amigo se foi.

Na verdade, ele não morreu, mas não somos mais amigos. A vida, os ideais e alguns desentendimentos no meio do caminho mataram nossa amizade.

Me lembrei do padre na missa, que falava da vida eterna. Pois bem, eu sempre achei que nossa amizade seria assim: Eterna! Que as boas lembranças seriam sempre renovadas.

Não foi bem assim, não somos mais aqueles meninos que jogavam Mortal Kombat até de madrugada.

É difícil não chorar pra escrever essa crônica. Esse texto é sobre a morte mesmo. O fim de uma amizade de vinte anos.

Bem... Já que não deu pra ser pra sempre, pelo menos acho que foi igual, dizia Vinícius de Moraes.

Que seja eterno enquanto dure.

E até que durou...

Mas acabou.

A vida não tem botão de continue.

Jefferson Ribeiro é autor e cronista (jeffribeiroescritor@gmail.com)

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do SAMPI

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