Opinião

Sobre o dia que deixei a barba crescer...

28/09/2023 | Tempo de leitura: 3 min

Por muito tempo eu pensei em deixar a barba crescer. Sempre achei que um homem barbudo impõe respeito, que é sinal de experiência, sabedoria talvez.

"Vou deixar a barba crescer e na mesma semana serei promovido."

"Barbudo não tem erro, a Ritinha vai olhar pra mim."

Estes foram alguns dos pensamentos que passaram pela minha cabeça. E assim foram longos três meses cultivando a barba. Cuidando com afinco!

Descobri que existem canais no YouTube que ensinam como tratar dos pelos faciais. Descobri que existem pentes e xampus próprios.

Comprei tudo, ainda mais com o cupom de dez porcento de desconto: HOMEMBARBUDO10. Não tem erro. É ter a barba de lenhador e o sucesso está garantido.

Pois bem, sabe o que é? É que meu rosto barbudo envelheceu uns 10 anos. De macho alpha lenhador eu virei o tiozão da Sukita, ou como a maioria chama: O tiozão do pavê.

Logo eu que nem de pavê gosto.

Pois é... Foi um fiasco.

Passei mais umas trinta vezes na frente do almoxarifado, mas a Ritinha nem me deu bola. Conversei com o meu chefe e a promoção não veio. Veio foi uma pilha de relatórios e planilhas com prazos impossíveis de cumprir.

Parece até que ele sabe que ando tendo tempo livre. Bem, deve mesmo saber. É só olhar no meu rosto e ver essa barba bem cultivada, clássica de um desocupado que só quer uma promoção e uns beijos da moça do almoxarifado.

Fiquei tão frustrado que raspei a barba. Joguei fora todos os produtos e decidi que esse papo de macho alpha com barba de lenhador não é pra mim. Minha sina é o rostinho lisinho.

Difícil foi aguentar a zoação no trabalho. Rostinho pelado, cara de bebê, garoto Avon foram alguns dos vários apelidos que recebi. Acho até que eles quem deveriam ser providos para a equipe de marketing, pois nunca vi tanta criatividade. Nem sei onde é criatividade e onde é bullying.

Tudo bem, não faz diferença, pelo menos assim eu me lembre que barba não é mais uma opção. Que vou precisar de bem mais do que pelos no resto pra conseguir a promoção que almejo há dois anos e o encontro com a loira que mexe comigo no horário de almoço.

Mas o pior de tudo foi chegar em casa e depois de um dia daqueles ligar a televisão, assistir o telejornal e ver as últimas notícias. Guerra na Ucrânia, dívida externa nas alturas, vários casos de corrupção e ainda assim o que mais me deixou chocado foi ver que agora o William Bonner usa barba.

"Por que ele pode e eu não?"

"Por que nele ficou bem?"

A barba dele nem é tão bem cuidada quanto a minha e com ela até o boa noite dele ganhou mais charme, mais requinte. Eu sei que amanhã no jornal serão as mesmas desgraças e talvez até pior. Mas sinto que preciso ouvir o boa noite daquela barba.

É tão injusto, ou será que o xampu dele é melhor que o meu, ou é porque eu não falo "boa noite" depois de entregar o meu trabalho. E eu trabalho das nove às cinco da tarde, não tem como me despedir com boa noite. E o "boa tarde" não tem o mesmo peso, é muito ameno.

Acho que é isso, tem coisas que não são pra gente. A barba é uma delas. Não tem jeito, é ela ou eu.

Eu a quero, mas ela não me quer e relacionamento só dá certo quando os dois querem. Sendo assim não vai ter jeito. Aceitei a duras penas. Demos um boa noite forçado e seguimos cada um seu caminho.

Meu caso de amor, é com a lâmina.

Jefferson Ribeiro é autor e cronista (jeffribeiroescritor@gmail.com)

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do SAMPI

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