Opinião

Buda e as startups

Por |
| Tempo de leitura: 3 min

No Budismo, entendemos que para a felicidade acontecer precisamos tirar o foco de nós mesmos e apreciar os outros, compreendendo que o outro tem o mesmo desejo de ser feliz e de se libertar do sofrimento que nós. E se no mundo existem tantas e tantas pessoas, porque a minha felicidade é mais importante do que a felicidade de milhares de outros? Essa é a base do nosso caminho espiritual e tecnicamente se chama equanimidade.

Eu sempre traço paralelos entre o mundo imaterial e o mundo dos negócios e cada vez mais encontro equanimidade nas teorias de gestão da inovação. E talvez por isso seja tão difícil criar algo relevante para o mundo, porque requer genuinamente o olhar para o outro.

Quando falo de startups, não me canso de citar o Steve Blank, porque por melhores teóricos que tenham surgido depois dele, nenhum deles refutou essa teoria, muito pelo contrário, eles só otimizaram os 4 passos para a epifania de Blank. A primeira coisa a se fazer quando se decide por criar uma inovação é definir as hipóteses e aceitar que são hipóteses. Aceitar que são visões de determinadas situações que partem da sua visão de mundo, da sua experiência com a situação. Quando se compreende que hipóteses são só hipóteses e que a "verdade está lá fora", inicia-se um processo de apreciação do outro. É o outro que tem a verdade, é o desejo do outro que deve ser atendido, é a decisão do outro que precisa ser levada em consideração. Eu só consigo atendê-lo quando abro mão da minha verdade, do meu desejo. Um bom CEO de startup faz reuniões com os clientes, ou aplica metodologias de observação etnográfica, ou testes A, B com a genuína intenção de captar o olhar do outro.

Estou no ecossistema de startups desde 2009, já passei por toda a cadeia de inovação, desde abrir meu próprio negócio até criar políticas nacionais de fomento a startups, incluindo acelerar e ser acelerada, incubar e ser incubada, levantar, gerir e prestar contas de recurso público e privado para centenas de startups. O que percebo claramente é que as startups que conseguem sobreviver têm em comum a intenção de fazer algo pelo outro e não por si mesmas. Quanto maior o agarramento a sua própria verdade, maior é o sofrimento e maior é a chance de fracasso.

Acompanho algumas poucas startups cockroachs desde 2009 que ainda sobrevivem, elas não viraram unicórnios, mesmo sendo consideradas as melhores startups do ano, ou já tendo sido capa da PEGN, ou terem passado pelos maiores movimentos de aceleração do mundo. Elas continuaram existindo, elas sustentam dezenas de famílias, elas movimentam a economia, sem glamour, sem histeria, mas com o genuíno desejo de resolver um problema do outro, na perspectiva do outro. Vi muito mais startups morrerem do que sobreviverem nos melhores ambientes possíveis de inovação do Brasil e do mundo, e o que era evidente na postura do CEO de uma startup de fracasso era a sua exagerada preocupação consigo mesmo.

Elisa Carlos é engenheira, especialista em inovação e head de operação de uma instituição que desenvolve política pública nacional (elisaecp@gmail.com)

Comentários

Comentários