Infelizmente, não li nenhum livro de Teilhard de Chardin, mas sua frase "Ninguém é uma ilha" sempre fez sentido para mim. A compreensão de que vivemos em uma rede e somos interdependentes se evidencia cada vez mais, seja na ciência, no cinema, na religião, na educação, na gestão ou até nas decisões do seu condomínio.
Teilhard de Chardin foi um padre ousado que viveu no início do século XX. Nascido na França, fez residência na China e nos EUA, formou-se em paleontologia, geologia e filosofia. Sua busca por uma síntese entre ciência e fé embasou muitos outros cientistas posteriormente. Para Teilhard, a teoria evolucionista foi a estratégia que Deus adotou para a criação do Universo. Pela primeira vez, não se negava nem a ciência nem Deus. Ele criticava a ideia que à época se pregava: que "o Homem bastava-se a si mesmo". Teilhard demonstra claramente, pela ciência e sua observação da natureza, a importância da rede entre razão, imaterialidade e meio para a evolução da espécie humana.
Muitas vezes, terceirizamos as responsabilidades das nossas ações para qualquer outra coisa que não sejam nossas escolhas. Daí surge o desejo confuso de se isolar na busca por se libertar do sofrimento e encontrar a felicidade, como se fosse a convivência a razão da nossa infelicidade. No cinema, o filme "Into the Wild", que retrata a vida real do jovem Christopher McCandless, demonstra claramente como seguir os passos esperados pela sociedade não nos torna felizes, tampouco abdicar de tudo isso. A frase final solene e linda: "Ninguém é feliz sozinho", encerra com chave de ouro a história trágica da renúncia equivocada de Christopher, que poderia ser a história de muitos outros jovens e adultos.
A bióloga evolucionista Nichola Raihani, autora do livro "O Instinto Social: Como a Cooperação Moldou o Mundo", escreveu um artigo para a BBC no auge da pandemia. Ela dizia o quanto não faz sentido, para a nossa sobrevivência como espécie, vivermos em pequenos grupos isolados. Obviamente, a pandemia só escancarou o fracasso para a saúde mental e física desse modelo, mas a ideia da "família nuclear" como vivemos hoje surgiu nos anos 1920, e é uma consequência evidente do fortalecimento da sociedade industrial, em que esse formato era necessário para o novo sistema econômico. No entanto, a sobrevivência do ser humano como espécie só se deu devido à cooperação entre indivíduos.
Abbey Page é uma antropóloga que estudou uma sociedade de caçadores-coletores das Filipinas que ainda vive como nos primórdios da humanidade. Ela percebeu a importância e a extensão das redes de apoio para que todas as atividades da tribo pudessem ser realizadas, inclusive e principalmente, cuidar das crianças. Ela nos compara a animais como formigas e abelhas, e nos distancia dos nossos primordiais chimpanzés. Embora a sociedade espere que as mães hoje cuidem de seus filhos praticamente sozinhas, é impossível para um ser humano fazê-lo. Assim como uma formiga ou uma abelha rapidamente morre quando isolada do grupo. Ela coloca: "Admitir que nós precisamos de outras pessoas não é um sinal de fracasso. É exatamente o que nos torna humanos."
Elisa Carlos é engenheira, especialista em inovação, head de operação (elisaecp@gmail.com)