A onda de transformações ocorrida no cinema dos anos 1960 já podia ser sentida, parcialmente, na década anterior: uma mise-en-scène realista começava a se transmutar em cinema de poesia, a abordagem do sexo conjugava-se à libertação do corpo feminino. Novos autores, novas formas de atuação. Somavam-se a tudo isso uma crescente politização da arte e a abordagem de temas controversos com o acirramento da Guerra Fria, a fixação dos Estados Unidos como nação imperialista e a emergência de um cinema no Terceiro Mundo.
Nesse caldeirão, surgem os cinemas novos em diferentes países do mundo, como a nouvelle vague francesa, a japonesa e a britânica no fim dos anos 1950. Em outros países, como Brasil, Alemanha e Tchecoslováquia, isso seria sentido sobretudo ao longo dos anos 1960, ainda que alguns abalos sísmicos - como "Rio, 40 Graus" no caso brasileiro - já fossem flagrantes desde a metade da década anterior, inspirados pelo neorrealismo italiano.
Novos cineastas operaram uma revolução, apontaram tendências. Nomes como Cassavetes, Antonioni, Fellini e Jean Rouch já estavam nesse horizonte de rompimento e, a eles, somaram-se os de Godard, Rivette, Glauber Rocha, Huillet, Straub, Sganzerla, Pasolini, Bressane, Bellocchio, Bertolucci, entre tantos outros. Todo levante de transformações políticas e sociais - que encontra seu ápice no Maio de 1968 - já estava inscrito, de diferentes formas, em filmes que questionavam o passado e o futuro, filmes modernos, ousados, que fizeram o novo produto da indústria nascer velho.
O que aconteceu nos anos 1960, de tão profundo, só encontra par nas transformações dos anos 1920. E quase tudo o que surgiu nos anos 1970 só pode ser compreendido à luz do decênio anterior, ainda que o revisionismo traga alguma melancolia sob o simbolismo do fim de um certo cinema de autor - estampado em "A Mãe e a Puta".
Ao pensar nesse período tão importante, coloquei-me perante um desafio. Quais seriam os filmes que melhor representam os anos 1960 quando levamos em conta suas transformações culturais? Vale pontuar que não se tratam apenas de filmes que refletem a sociedade, mas de filmes que exerceram influências e projetaram mudanças.
"A Doce Vida", de Fellini, parece-me o mais emblemático, seguido por "Blow-Up", de Antonioni. Há também filmes que espelham de forma tão perfeita esse período que, de diferentes maneiras, colocam em xeque um modelo de sociedade estabelecida. Penso na força, mais temática que visual, de "Meu Passado Me Condena" e, tão visual quanto temática, de "Teorema", "Juventude Desenfreada", "Mickey One" e "Não Reconciliados".
Para a indústria, foi um momento confuso. Os chefões perderam rios de dinheiro com bombas como "Cleópatra" e ainda mostraram vigor com espetáculos incontestáveis como "A Noviça Rebelde". Como uma geração toda estava interessada em assistir Beatles e os Monkees, novos realizadores ganharam dinheiro e controle criativo. Boa parte não precisava de grandes orçamentos. Nessa toada, cineastas como John Schlesinger, Roman Polanski e mesmo François Truffaut filmaram fora de seus países de origem.
Diretores vindos do sistema de estúdios, como John Huston, Elia Kazan, Otto Preminger e mesmo Joseph Losey, viram nas transformações uma oportunidade de realizar grandes filmes adultos, com temas antes impensáveis para plateias norte-americanas, como "Clamor do Sexo" e "Os Desajustados". É nessa década que Richard Brooks, Sidney Lumet e Sydney Pollack fazem seus filmes mais ousados, "A Sangue Frio", "O Homem do Prego", "A Noite dos Desesperados", respectivamente, apenas para ficar em três exemplos.
Os anos 1960 oferecem um misto de novidade e medo, com filmes que reproduzem o desejo de liberdade e a incerteza sobre os dias seguintes, entre o amor livre e a era atômica. Isso só poderia desembocar em algo questionador e original.
Rafael Amaral é crítico de cinema e jornalista; escreve em palavrasdecinema.com (ramaral@jj,com.br)