Opinião

Andrew, o mais humano dos robôs

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Você provavelmente já deve ter assistido ao filme "O Homem Bicentenário". Se não assistiu, é quase que certo de que já, pelo menos, ouviu falar. O filme estrelado por Robin Williams é uma típica película de "Sessão da Tarde" que encanta pela diversão, mas que deixa a desejar no aprofundamento que a obra original escrita por Isaac Asimov propõe. Chris Columbus, o diretor do filme, escolheu adaptar um texto que já era perfeito.

Mas minha intenção aqui não e fazer uma crítica cinematográfica. Não. Deixo essa brilhante tarefa aos especializados, como é o caso do meu amigo de faculdade e de jornalismo - e também colunista deste jornal - Rafael Amaral. Quero me debruçar no conto que inspirou o filme e tentar te convencer que Asimov, além de gênio literário e o maior mestre da ficção científica, era também um profeta.

Nascido em Petrovich, na Rússia, em 1920, naturalizou-se estadunidense aos oito anos de idade. Foi na América do Norte que dedicou sua vida aos livros, escrevendo e editando mais de 500. Responsável pela maior obra de ficção científica de todos os tempos, "A Fundação", ficou muito famoso por ser o primeiro escritor a utilizar homens mecânicos, os robôs, em suas histórias. Duas de suas obras ganharam versões cinematográficas em Hollywood: "Eu, Robô", estrelado por Will Smith e "O Homem Bicentenário".

Foi assim que eu "conheci" Asimov. Havia uma locadora do lado da minha escola e eu, toda sexta-feira, era autorizado pelo meu pai a pegar alguns filmes para assistir. Escolhi "Eu, Robô" porque o Will Smith era meu ator favorito. Já "O Homem Bicentenário" me ganhou pela arte do pôster. Um robô com a cara do Robin Williams.

Muitos anos depois, fui apresentado aos livros do Bom Doutor - apelido de Asimov entre os fãs - por meio de um Nerdcast, o podcast do Jovem Nerd. Alexandre Ottoni, apresentador do podcast em questão, não escondeu sua paixão por Asimov em um programa dedicado ao autor. Foi ali que eu decidi que precisava lê-lo. E não me arrependi. Aliás, se um dia você ler este artigo, muito obrigado Jovem Nerd!

Depois de oito livros e alguns contos lidos, coloquei Isaac Asimov na prateleira mais alta dos meus escritores favoritos. A primeira coisa que li dele foi um conto chamado "A Última Pergunta" que um dia, prometo, escrevo sobre. Mas só para você saber, essa leitura foi tão profunda na minha vida que me ajudou a enfrentar a depressão durante a pandemia e, por conta disso, inspirou o conceito do segundo álbum da minha banda [Genomma] "Como reverter a entropia do universo", lançado em 2022.

Já o último livro que li (um conto longo o bastante para ser arranjado em um livro pela Editora Aleph) foi "O Homem Bicentenário" que conta a história de Andrew Martin, um robô da U.S. Robots que tinha uma única função: ser um serviçal doméstico. Acontece que Andrew descobre que, por uma falha de padrão em seu cérebro positrônico, ele é capaz de tomar decisões improvisadas e por isso possui habilidades artísticas.

Com o passar da história, Andrew começa a tomar consciência da própria existência e uma vontade surge em suas engrenagens: a liberdade. É a partir disso que o conto nos imputa uma discussão fascinante sobre a ligação direta entre o ser humano e a liberdade. Seres humanos são, diferente de todo o resto, os únicos seres vivos que não são escravos da sua natureza. Andrew percebeu que era o mesmo com ele e se assim era, o que diferenciava ele de um ser humano?

O objetivo do protagonista passa a ser se tornar um homem, ou pelo menos ser considerado legalmente como um. Não vou contar detalhes da história porque espero que você fique instigado a lê-la. Mas o que eu posso dizer é que esse conto, escrito em 1973, já discutia sobre inteligência artificial em um momento que nem sonhávamos com esse tipo de coisa.

Além da reflexão filosófica, social, científica e política, o conto atinge em cheio a humanidade do leitor. Acertou tão forte a minha que eu, em dois momentos distintos da leitura, chorei. Chorei porque além do desejo pela liberdade, Andrew me fez lembrar de outra característica tipicamente humana - que ele também tinha - que é, na minha leitura, a mais poderosa de todas: a esperança!

O mais humano dos robôs de Asimov me ensinou muito. E me comoveu também.

Conhecimento é Conquista.

Felipe Schadt é jornalista, professor e cientista da comunicação (felipeschadt@gmail.com)

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