O Museu Solar do Barão e o Sesc Jundiaí foram palcos de duas intervenções artísticas e culturais capazes de ensinar muita coisa sobre como duas tragédias humanas estão mais próximas de nós do que imaginamos: a exposição "Holocausto: para que nunca se negue, para que nunca se esqueça e para que nunca mais se repita" e o espetáculo "Cárcere ou Porque as mulheres viram búfalos", dois holocaustos que precisamos encarar.
Assim que a exposição sobre o holocausto judeu foi anunciada, fiquei intrigado para visitá-la. Estudei os horrores do nazismo na faculdade de história e falar, ver e aprender sobre esse tema sempre me inquieta. Tive a oportunidade de acompanhar meus alunos do ensino médio nessa visita e quando vi, durante o passeio entre as fotografias e imersões do museu, seus rostos assustados, constrangidos e tristes, tive certeza de que a exposição conseguiu atingi-los em cheio.
"Para que nunca se negue, para que nunca se esqueça e para que nunca se repita." Esse é o mote da exposição que, em cada canto do museu ficou mais evidente. Logo na primeira sala, fotos de sobreviventes do massacre nazista, já velhinhos, estão dispostas em grandes painéis. "Estão vendo esses números tatuados na pele dessas pessoas?", perguntou a guia que nos acompanhava para meus alunos. Todos fizeram que sim com a cabeça e complementei a explicação da guia dizendo "marcar essas pessoas com números servia para lhe tirarem a pessoalidade, tratarem elas como objetos, como uma forma de desumanizar o ser humano". A partir disso, eles entenderam o horror que estava exposto na galeria.
Porém o choque veio em uma outra sala que mostrava crianças que também foram submetidas aos campos de extermínio. Pude ver em seus rostos a expressão de quem pensa "essas crianças se parecem comigo… poderiam ser eu". Aquilo também mexeu muito comigo. Ver essa reação dos meus alunos me causou mais dor do que o habitual quando o assunto é o holocausto judeu. Mas como educador me senti satisfeito. O museu e a exposição cumpriram seu papel.
Já na última sexta (21), tive a felicidade de comprar os últimos dois ingressos para, junto com minha companheira Carol, ir ao Sesc para assistir a um espetáculo de nome curioso: "Cárcere ou Porque as mulheres viram búfalos". Como fã do teatro, aprendi a pesquisar sobre a peça antes de vê-la e percebi muito rápido de que seria uma surra no estômago na minha consciência. E foi.
A peça retrata um outro holocausto, o holocausto negro que aconteceu aqui no Brasil desde que o primeiro navio negreiro aportou em solo brasileiro. Representado com muita dança e simbologia, os mais de 300 anos de escravidão são retratados com maestria e culminam no efeito colateral desse genocídio histórico: a encarceração em massa de pessoas negras.
Além de representar as condições e histórias dos encarcerados, o espetáculo destaca como as mulheres desses homens (mães, irmãs, esposas) também estão, de certo modo, presas a uma condição na qual foram condenadas sem direito a julgamento. E tudo isso com a mitologia iorubá como pano de fundo, retratando essas mulheres a partir do mito de Oyá.
Foram duas horas de espetáculo que receberam quase três minutos de aplausos acalorados de uma plateia que, acredito, saiu de lá com a cabeça cheia, a alma aquecida e o coração angustiado. Falando por mim, o sentimento de injustiça preencheu todo meu corpo. Ainda mais por saber que é uma realidade que acontece debaixo do meu nariz, do lado de casa, todos os dias.
Esses dois holocaustos - o judeu e o negro - precisam ser sempre mostrados. A educação, a cultura e a arte se esforçam para ensinar o que necessitamos aprender sobre esses momentos que parecem que passaram, mas continuam por aqui, como sombras. A extrema-direita e os movimentos fascistas - os mesmos que executaram milhões de pessoas - voltam a ganhar espaço no cenário político mundial. Enquanto isso, vivemos os resquícios da escravidão no racismo que a cada dia se torna mais escancarado e sem vergonha - e que, claro, mata muita gente também.
Essas duas experiências que vivi em Jundiaí no museu e no teatro foram líricas, explicitas e literais. Uma verdade inconveniente para muita gente.
Conhecimento é conquista.
Felipe Schadt é jornalista, professor e cientista da comunicação (felipeschadt@gmail.com)