Opinião

Meia de patinho

18/07/2023 | Tempo de leitura: 3 min

Eu me lembro que até meus onze anos eram meus pais quem escolhiam minhas roupas, quem me vestiam para todos os locais que eu ia.

Igreja, festinhas, escola ou mesmo os almoços de domingo na casa da minha avó.

Me lembro de uma vez em que fiz xixi na roupa, isso ainda na época do pré-escolar, por não conseguir abrir o cinto da calça jeans que meu pai me fez usar por achar que seria legal um garoto de seis anos usando jeans e cinto de couro.

E sempre era assim, houve inclusive outros incidentes que não vou mencionar só pra não encher essas páginas com algumas frustrações de infância.

Isso mudou quando eles me fizeram vestir no réveillon de 2000 para 2001 um conjuntinho de suspensórios, calça social, sapato, camisa branca e gravata borboleta. Segundo eles, eu estava lindo.

Em minhas memórias, me lembro de me sentir um engomadinho chato, enquanto meus primos corriam com suas bermudas e chinelo Rider.

Até hoje evito suspensórios e gravata borboleta.

Nesse dia, eu fiz a vontade deles, mas pedi que me deixassem escolher como me vestir. Não sei por que sorte ou magia tardia de Natal eles consentiram, e desde esse dia passei a escolher a forma como me vestia.

Eu amava uma meia de patinho que eu tinha e uma bermuda floral. Uma vez até usei os dois juntos. E nem foi na praia nem nada, até mesmo porque, em Minas não tem mar.

E, à medida que eu crescia, meu gosto peculiar me acompanhava. Já tive até um tênis laranja e verde, já usei sapatênis e até fiz moicano no cabelo.

Hoje, abandonei esses acessórios exóticos. Sou adepto de tons e estilos mais tradicionais, camisetas neutras e looks com cores mais normativas. Não é que eu tenha me adequado a este ou àquele padrão, apenas que meus gostos caminharam para esse lado.

Ainda assim me lembro com nostalgia de quando tinha meu gosto exótico e apesar de ser criticado e até alvo de bullying por alguns eu simplesmente ignorava. Me sentia o máximo com meu tênis laranja, meu moicano ou mesmo minha bermuda floral. Nostalgia de quando eu conseguia me blindar da opinião dos outros, ou melhor, da opinião de quem não agrega.

Que saudade da simplicidade dos meus 14 anos.

Parece que hoje vivo querendo agradar a todos, mesmo que no fundo eu saiba que isso é impossível. Esse medo de rejeição que somado à vontade de ser aceito me faz esquecer o quanto é libertador largar as convenções de vez em quando e fazer o que der na telha.

Mas é que na vida a gente não tem nossos pais pra nos vestir eternamente, nos blindar e nos preparar pra tudo. É difícil eu sei. Em dias como esse que escrevo sozinho na sacada me dá uma falta deles, das conversas, do café e até mesmo das reclamações que eu julgava sem motivo e hoje consigo ver nelas todos os motivos do mundo.

Eles ainda estão vivos, a 1200 Km e um telefonema de distância, mas é que a gente precisa cortar alguns laços, só assim a gente cresce. Não os laços com eles, mas da dependência e da zona de conforto que isso nos traz.

É por isso que eu ainda uso meias coloridas, pois não quero esquecer que mesmo nos momentos que eu tiver que seguir padrões, convenções ou mesmo me adequar a algumas situações, eu lembre que se aquele menino de onze anos podia escolher suas roupas, bem...

Eu posso escolher meu caminho.

Jefferson Ribeiro é autor e cronista (jeffribeiroescritor@gmail.com)

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do SAMPI

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