Opinião

Einstein não tem perfil no Threads

11/07/2023 | Tempo de leitura: 4 min

Na última semana, o senhor Mark Zuckerberg resolveu mexer, melhor, chacoalhar - mais uma vez - o ciberespaço com o lançamento de uma nova rede social: o Threads (se lê truédis). E isso ameaçaria os meus planos de levar uma vida com menos redes sociais para lidar.

Acontece que no início desse ano, eu havia feito um pacto comigo mesmo de não gastar grande parte do meu tempo com minhas redes sociais. Eu, como uma bela fatia das pessoas com acesso à internet, gasto meu tempo rolando o feed procurando sei lá o quê e encontrando coisa nenhuma. Mas fazer isso custa tempo. Quando você sai desse transe, lá se foi meia hora (e estou sendo bem gentil com essa minha métrica) da sua vida.

Eu já falhei comigo mesmo durante os shows do Coldplay no Brasil - aqueles 11 que fiz questão de ir. Registrei cada momento da minha saga pelo violão do Chris Martin no meu Instagram, o que me rendeu seguidores aos montes, curtidas a beça e me custou precisamente 65 horas e 13 minutos da minha vida para ficar olhando para a tela de um celular. Foram mais de quatro horas por dia durante 15 dias usando redes sociais. E eu estou na média. Segundo dados de uma pesquisa feita pela empresa data.ai, os brasileiros passam entre quatro e cinco horas navegando na internet pelo celular por dia.

Tudo o que eu não queria era o lançamento de mais uma rede social para minar meu precioso tempo. E lá estava eu, gastando esse precioso tempo no Twitter quando começo a notar uma comoção no meu feed a respeito de um tal de Threads. "Será que vai ficar alguém aqui? Tô vendo todo mundo indo para o Threads", "Threads, nem conheço e já considero pakas", "RIP Twitter", "O último que sair do Twitter apaga a luz, por favor".

Logo entendi que se tratava da mais nova rede social do Meta. Aliás, é por causa disso que estamos na iminência de assistir uma rinha de bilionários. Elon Musk e Mark Zuckerberg trocaram farpas após rumores de que o dono do Facebook iria criar um rival para o Twitter. "Estou disposto a disputar uma luta de jaula se ele estiver", teria dito Musk em sua página no Twitter. Zuckerberg (que luta Jiu-Jitsu) respondeu em sua página no Instagram: "Mande-me o local".

Eu relutei o quanto pude para resistir à tentação de criar um perfil na nova rede social. "Sou velho o suficiente para me dar ao luxo de não me interessar por redes sociais novas", eu disse. Mas 15 minutos depois estava eu fazendo minha primeira postagem no Threads. Geovana Ortiz, colega jornalista que me incentivou a criar uma conta, zombou de mim. Me defendi dizendo que eu sou uma pessoa volátil.

Me vi segurando "Correntes do Espaço" de Isaac Asimov em uma mão - utilizando o dedão para marcar a página que estava lendo - e com o celular na outra, rolando o feed de novidades do Threads. Nenhuma novidade. Enjoei daquilo com menos de uma hora depois que havia entrado. Eu disse que sou volátil.

Mas eu descobri, como tantos outros, que não dá para apagar sua conta no Threads sem apagar sua conta no Instagram. Eu, como tantos outros, não li os termos de adesão. Às vezes acho que qualquer dia desses irei vender minha alma sem querer ao baixar algum aplicativo novo e não ler os termos de uso. Bom, eu resolvi restringir minha conta (só quem me segue pode me ver) e deixei uma única postagem lá: "Eu ainda não sei o que vou fazer aqui. Quando eu descobrir, eu volto."

Em uma conversa com Rafael Testa, filósofo e uma das mentes mais brilhantes da Terra da Uva, eu aproveitei para levantar a seguinte questão: "Será que não existem mais grandes gênios, como Einstein por exemplo, por que o nível de distração aumentou exponencialmente?". Ficamos confabulando por algumas horas sobre o assunto. Minha conclusão foi que as redes sociais são as grandes responsáveis por nos distrair. A conclusão do Rafael foi que não há nenhum problema em se distrair um pouco. "Dar um descanso para o cérebro faz bem também", disse pra mim.

E ele tem razão, óbvio! Mas o problema das redes sociais - um dos milhares de problemas - é sair delas e voltar para o foco. Bom, esse é o meu problema com elas. Não estou dizendo que eu seria um Einstein se não usasse as redes sociais e só focasse em minha produção acadêmica. Mas não precisa ser gênio para notar que estamos desperdiçando a única coisa que de fato temos - tempo de vida - rolando a tela de um celular procurando sei lá o quê e encontrando coisa nenhuma.

Conhecimento é conquista.

Felipe Schadt é jornalista, professor e cientista da comunicação (felipeschadt@gmail.com)

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do SAMPI

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