Opinião

O luto e a positividade tóxica

01/07/2023 | Tempo de leitura: 3 min

Semana que passou perdi meu amado pai, mas este não é um texto sobre a história de sua ausência, em que pese o fato de ser uma situação altamente estressante e potencialmente traumatizante. Claro que estamos, na família, ainda muito tristes. E também não é disto que se trata este texto.

Vale citar que desde sempre em nossa sociedade cada cultura possui seu modus operandi próprio em termos do lidar com perdas humanas. Como a oriental, por exemplo, conhecida por festejar a passagem de quem se vai. Para grande parte dos ocidentais, a morte é um instante caótico e paralisante, e vem carregada de rituais que podemos classificar como obrigatórios. E é sobre isso quero refletir.

Logo após o momento da partida surgem inevitavelmente os velhos conhecidos protocolos de prestação de condolências, direcionados a parentes e amigos de quem se foi. Não, não há nada de errado nisso, ao contrário. Um gesto de respeito, de carinho, de consideração, relacionado àquela pessoa que partiu e o que ela significou para quem ficou, é sempre muito bem-vindo.

Porém, na ânsia de tentar trazer algum alívio à dor de quem perdeu um ente querido, muita, mas muita gente mesmo faz uso, ainda que não de forma consciente ou intencional, daquilo que chamamos de positividade tóxica.

A positividade tóxica é uma espécie de negação das emoções e reações consideradas negativas, como a tristeza, o choro, a raiva, sobretudo quando essas trazem comportamentos e atitudes descontroladas.

"...Não fica assim ou, não chore não, vai passar..." Todas essas expressões entre outras, quando usadas de forma automática em falas sem escuta e sem leitura atenta ao sofrimento alheio, podem ser consideradas a receita quase completa da positividade tóxica.

Também há quem tente criar narrativas e atribuí-las à pessoa falecida, como, por exemplo, dizer que aquele que se foi não gostaria que ninguém ali estivesse triste ou chorando. Perguntar o que aconteceu com o morto para entes queridos ou familiares também é uma péssima atitude. Reviver a história que culminou no óbito irá, fatalmente, aumentar ainda mais a dor e o sofrimento.

Ao contrário do que muitos imaginam, é possível, sim, passar certo otimismo. E assim afastar a possível positividade tóxica daquele que quer heroicamente demonstrar solidariedade em um momento de luto.

Otimismo é o estado e presença de espírito onde, em geral, as pessoas se mantém esperançadas em relação às incertezas e impermanências da vida, sem, no entanto, comportar-se de maneira a invalidar emoções, principalmente a tristeza e demais estados melancólicos.

Como portar-se nessas horas, nesses momentos? É mais simples: apenas ofereça sua melhor forma de solidariedade. Seja e esteja sensível e pronto à necessidade de silêncio e quietude de quem está ali para despedir-se.

Conhecem o ditado que diz que um gesto pode valer mais do que mil palavras? Pois é... Entendam: não somos, nunca seremos, tão pouco, capazes fazer desaparecer como em um passe de mágica a dor de alguém, mas podemos ajudar a confortar a pessoa, e trazer algum alívio, sendo verdadeiramente empáticos.

Na dúvida, é sempre preferível não falar demais por não ter nada a dizer.

Márcia Pires é sexóloga e gestora de RH (piresmarcia@msn.com)

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do SAMPI

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