Opinião

Viver é um ato de coragem

29/06/2023 | Tempo de leitura: 3 min

Eu sempre achei que óculos fosse coisa de velho, de tiozão que usa sapatênis e tem um Santana 99 estacionado na garagem. Inclusive segui com essa lógica por muito tempo, até o início da faculdade de engenharia, quando percebi que tinha dificuldades para enxergar o quadro de uma certa distância, mas permaneci relutante com o meu preconceito com lentes presas a armações.

Em 2015 eu comecei a trabalhar com projeto de óculos e passei a ver este artefato de outra ótica (desculpe o trocadilho, não resisti), conhecer os detalhes e a me apaixonar por ele. Por consequência meu problema de visão estava mais acentuado, visto o fato de que o ignorei por alguns anos. Resolvi finalmente ir ao oftalmologista, dar fim à questão.

No exame, o Sr. Cláudio, antigo amigo da minha mãe, me guiou até o aparelho necessário para o procedimento, e à medida que ia mudando as lentes e me perguntando qual ficava melhor, eu tinha diferentes percepções do mesmo espaço. Em um minuto eu vi aquele lugar de diferentes formas, do mais nítido ao mais distorcido.

E saí de lá vendo o mundo diferente, sem o borrão que eu havia me acostumado, que achava normal.

Engraçado é que me lembro de escolher minhas armações, a cor, o modelo o formato.

Já que eu trabalhava com isso, eu queria o modelo mais descolado. Consegui!

Uma armação fininha, tom café com um aplique metálico na haste, inclusive foi lá que eu aprendi que o nome certo é haste e não perna como muitos chamam, mas isso já outra história.

A história que quero contar é de como a gente passa tanto tempo olhando para o borrão que se esquece como é verdadeiramente a paisagem. Passa tanto tempo com a janela suja que quando limpa o vidro não consegue entender como ficou encarando aquela imagem distorcida e achando que aquilo era o belo.

A gente se acostuma com migalhas e se esquece do tamanho do mundo, feito pombos alimentados por idosos na pracinha.

A gente se esquece desse mundão de meu Deus, assim por desleixo mesmo e fica ciscando no colo da vida. Ficamos no chão igual galinha, nos esquecendo que somos águias, feitos pra voar. Acho que esse é o poder do medo, ele nos aprisiona em gaiolas imaginárias, gaiolas que existem não no mundo real, mas só na nossa cabeça.

Bem... Essas prisões são as piores.

Mas sabe o que é? É que dá um medo de voar, sair do quentinho do ninho. Chamam isso de zona de conforto. Mas já pensou o quanto deve ser desconfortável passar a vida inteira se lamentando, na dúvida do que poderia ter sido e não foi? Com a frustração de não ter nem tentado abrir as asas e voar?

E essa crônica vai assim, meio em tom de pergunta, não que seja o programa de entrevistas do Jô ou da Marília Gabriela, são mais perguntas de alguém que não tem as respostas, mas que tem dúvidas e o principal: Um medo gigante de ter medo. Um medo de não saber o que fazer com o medo. Um medo gigante de virar escravo do medo.

Mas é que eu escrevo pra rir, pra encantar, pra viver e cometer no papel os erros que não posso cometer na vida, na vida fora dos textos, na vida que a gente chama de real.

Por isso pego meus óculos, que já não são mais aqueles que comprei com o Sr. Cláudio e escrevo minhas ideias, pois, como já dizia o poeta desconhecido, "Viver é um ato de coragem".

Mas é que dá um medo...

 

Jefferson Ribeiro é autor e cronista (jeffribeiroescritor@gmail.com)

 

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do SAMPI

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