Opinião

Isso foi uma piada?

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Ah, e os limites do humor? Uma pergunta tão polêmica quanto o que costuma gerar esse tipo de questionamento. A bola da vez é o comediante Léo Lins, famoso por justamente gostar de ser e gerar polêmica a cada piada. Aconteceu que um de seus shows de Stand up foi retirado do ar após um pedido da justiça de São Paulo, alegando que o mesmo atacava minorias.

O especial de comédia de Léo Lins se chama "Perturbador" e isso não é atoa. Como uma metralhadora, o comediante faz piadas bem perturbadoras. Piadas de cunho racistas e pedófilas são apenas uma amostra do arsenal do humorista que acusa a justiça de cometer censura com seu show. Alguns comediantes saíram em defesa de Léo Lins, já outros lamentaram o conteúdo do espetáculo acusando o ex-integrante do "The Noite" de fazer apologia a crimes em sua performance. Vale lembrar que Léo Lins foi demitido do SBT após uma série de piadas capacitistas.

Tá. De um lado temos a defesa da liberdade de expressão e de que o humor não deve ter limites, já que é humor. De outro, temos uma discussão sobre como piadas podem ferir pessoas e que elas devem sim ser revistas e repensadas antes de proferidas. Quem está certo afinal?

O humor se caracteriza pelo riso e via de regra, nós rimos do outro. E na grande maioria das vezes rimos quando algum infortúnio acontece com o outro. Veja a figura do palhaço, por exemplo. Ele é engraçado porque sempre acaba sofrendo algum tipo de mazela. O próprio nariz vermelho - marca inconfundível de um palhaço - é resultado de um acidente de um artista circense que, bêbado e cambaleante, caiu de cara em sua apresentação de malabarismo e ficou com o nariz inchado e avermelhado por conta disso, arrancando gargalhadas da plateia que adorou a cena. Essa é uma das lendas sobre o surgimento do palhaço que nos diz algo fundamental: gostamos de rir da desgraça alheia.

É engraçado ver o outro sofrer simplesmente pelo fato de que nos sentimos, antes de tudo, aliviados de que a dor não está acontecendo com a gente. Por que ríamos como loucos quando víamos um pica pau de cabeça vermelha causar todos os tipos de confusão para cima de um leão marinho? Por que rolávamos de gargalhar quando víamos um rato jogar uma bigorna em um gato? Por que até hoje somos capazes de rir com as desaventuras de um menino órfão, faminto e que vive em um barriu? Por justamente entendermos que esses infortúnios não são com a gente.

Veja. Eu cresci assistindo "Os Trapalhões". A trupe formada por Didi, Dedé, Mussum e Zacarias era campeã de audiência no horário e, entre todas as suas piadas, a base era a humilhação. Os quatro representavam: o nordestino sem inteligência, o paulista sabichão, o carioca malandro e o mineiro inocente. Estereótipos que eram explorados à exaustão. Porém, Mussum sofria em dobro, pois ele carregava outro alvo: ele era negro.

Muita gente riu a beça com as piadas racistas que Mussum foi submetido. E ríamos por quê? Porque entendíamos que quem sofria era outra pessoa e não nós. "Ah, mas negros também riam das piadas com o Mussum", eu sei. E volto a reafirmar, quem ria das piadas racistas o fazia porque entendia que a piada não o atingia.

Dito isso, é fácil entender o porquê piadas racistas não têm mais graça e incomodam tanto. Oras, se a gente só ri quando o alvo é o outro, quando a gente se coloca no lugar do outro a piada automaticamente perde a graça. Felizmente, as discussões sobre racismo se ampliaram e a consciência também. É por isso que racismo - e poderíamos também citar machismo, homofobia, pedofilia etc - não é piada mais, por que felizmente entendemos que todo mundo sofre com essa dor. Pelo menos todo mundo deveria entender.

Não deve haver limites para piadas. O que deve haver é o entendimento do que é uma piada e do que não é uma piada.

Conhecimento é conquista.

Felipe Schadt é jornalista, professor e cientista da comunicação (felipeschadt@gmail.com)

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