Há imagens que entram na nossa cabeça e não saem mais. Imagens que vimos há muito tempo, na infância, e das quais não esquecemos. Ocorreu comigo, quando eu ainda era garoto e, ao acaso, esbarrava em filmes na televisão. Minha lembrança levava-me a homens perigosos, armados, usando máscaras de Papai Noel e de animais. Eles cercavam uma escola e faziam seus alunos e a professora de reféns. Por anos, nunca soube seu título.
Até que um dia, quando trabalhava em uma produtora de vídeo, em 2008, um amigo apresentou-me a obra e rapidamente voltei ao passado. Chama-se "A Fortaleza", de 1985, dirigido pelo pouco citado Arch Nicholson. O que me assustava, na infância, eram as máscaras, sinal da psicopatia dos homens que machucam os mais frágeis de uma pequena comunidade de boas famílias, com uma escolinha perto da linha do trem.
Na verdade, o que me assustava e provavelmente eu não sabia era a inversão que essas máscaras provocavam: pela primeira vez na vida eu via um assassino trajado de Papai Noel, de pato, de rato, como se utilizassem símbolos da bondade e dos desenhos animados para praticar o mal. Aquilo amplificou meu medo e não saiu mais da cabeça.
Resolvi voltar ao filme recentemente. Fui a ele sem esperar pelo melhor. De fato, não é grande coisa. Um filme de produção modesta, com alguns detalhes corajosos, com uma cena ou outra que vale a experiência. Mas também um filme complicado devido à mensagem que deixa em seu término, de que apenas a violência pode nos salvar dos psicopatas sem face - ou ocultos nos sinais da bondade - que atacam a sociedade, sobretudo os mais frágeis.
"A Fortaleza" é um filme de posições fascistas e, por isso, com a mensagem errada. Claro que alguém vai dizer que, por estarem isoladas, com a vida em risco, a professora e as crianças não tinham outra alternativa. Bem, sabemos que no campo da arte as coisas não funcionam assim: tudo parte de uma escolha consciente e tudo está condicionado a uma representação alinhada ao seu autor. Fazer um filme implica posições morais.
A professora e as crianças veem-se sozinhas na floresta e entre as rochas. Não podem contar com ninguém. As horas passam e nenhuma autoridade chega para socorrê-las. Quando conseguem escapar da caverna em que foram presas e chegar à moradia de um casal de velhinhos, voltam a encontrar os criminosos, essas figuras onipresentes, desalmadas, esses bonecos com vida que ousam tomar os símbolos culturais da infância e, por isso, inverter o jogo. No fundo, os vilões não importam; apenas importa o que ocorrerá com eles.
Para vencê-los, os inocentes precisam empunhar armas, fazer lanças e armadilhas em torno da fortaleza de rochas na qual se escondem e esperam pelo confronto. Por algum momento, ouvem apenas as vozes dos bandidos no meio da mata ou, em uma árvore, a máscara pendurada do Papai Noel. Lembrei de "O Senhor das Moscas" e da selvageria que cresce gradualmente, da tribo que brota das crianças em uma ilha.
Em "A Fortaleza", seu realizador tenta justificar a selvageria - o "olho por olho, dente por dente" - como parte inseparável da experiência humana, em uma sociedade de armas e, por isso, na qual é preciso saber se defender e, se necessário, matar. A professora e as crianças mudam, desconfiam dos policiais que as interrogam no encerramento. Elas aprenderam uma "valiosa" lição ao viver na floresta selvagem, acossadas por monstros.
Rafael Amaral é crítico de cinema e jornalista; escreve em palavrasdecinema.com (ramaral@jj.com.br)