Andar de carro no final da década de 1950 era algo especial. Como a maioria das ruas era, ainda, de terra, os veículos que circulavam com mais facilidade eram os ônibus, depois vinham as carroças, bicicletas e, por último, os carros. E o sonho de criança era andar de carro, sentir o cheiro do banco novo, soltar o peso do corpo e relaxar... Mas valia a pena fazer pose, principalmente se, do lado de fora, lá na calçada, estava algum garoto conhecido.
O carro que eu e meus irmãos mais cobiçávamos era o carro verde no ponto de táxi na pracinha, perto de casa, bem ao lado do campo Dragão Mecânica. Para ficar mais fácil visualizar, no local onde começa a rua da Várzea, na avenida São Paulo, Vila Progresso.
O motorista, ou chofer como a gente costumava dizer, mantinha seu Chevrolet impecável. Quando não havia passageiro, o carro ficava ali na praça, parado, enquanto o chofer passava seu paninho mágico. A gente percebia que o carro brilhava!
Andar de táxi, para nós era difícil, mas sonhar com aquele carro...
Tinha dia que a gente passava horas e horas olhando o Chevrolet no ponto! E quando percebia que tinha surgido algum passageiro e o carro ia sair, sentado no portão de casa, eu acelerava o ronco do motor com a boca e saía correndo pela rua, como se estivesse dirigindo.
Muitas vezes, no próprio degrau do portão, eu me fazia passar pelo chofer do carro verde. Cumprimentava meus irmãos que seriam os passageiros, perguntava qual era o destino, dava o preço da corrida, enchia o pulmão de ar, e saia roncando, "cantando pneu".
Quando o chofer do carro verde casou não ficamos sabendo, mas tivemos notícias uns meses depois quando, no terreno vazio em frente à nossa casa, teve início a construção de um imóvel. E como toda criança curiosa, passávamos o dia observando os pedreiros levantando as paredes, fazendo massa, concretando. Até que um dia o chofer do carro verde parou bem defronte ao nosso portão e foi observar a obra. Tínhamos descoberto quem iria morar em frente de casa.
Ele sabia que vivíamos observando seu carro e quando voltou da construção, entrou no veículo, abriu a porta de passageiro e nos convidou para uma volta. Ademir, Ana Maria e eu corremos para dentro do carro. Esquecemos até de limpar os pés, pois naquele tempo andar descalço era sinal de saúde.
A corrida era de graça, mesmo que fosse apenas uma volta no quarteirão; quando o carro voltou para o local de onde tinha saído, desci correndo para contar à minha mãe o acontecido. E foi aí que levei a bronca. Mamãe me olhou, sorriu daquela maneira que já fazem muitos anos que não vejo, e perguntou se tinha agradecido ao chofer do carro verde.
Disse que não e saí correndo para o portão quando cruzei com meus irmãos voltando para casa. O homem do Chevrolet já tinha ido embora trabalhar.
Voltei de cabeça baixa, mamãe me olhou de novo, mas Ademir corrigiu a situação, dizendo que tinha agradecido em nome de todos. E como lição de mãe fica sempre na lembrança, jamais esqueci este fato.
Mas só consegui agradecer quando, no dia da mudança, carreguei algumas caixas para dentro da casa. O chofer agradeceu a ajuda, e neste momento lembrei-me de fazer o mesmo pela carona. Ele sorriu, passou a mão na minha cabeça e atravessei a rua...
Nelson Manzatto é jornalista (nelson.manzatto@hotmail.com)