A história da humanidade é permeada por gerações de jovens líderes que, cada um em seu tempo, em sua realidade, representavam a vanguarda do pensamento. Buscavam romper com o passado e mostrar, impor novas visões de futuro.
Pessoas como Saint-Just, que na Revolução Francesa era defensor ardente do Terror revolucionário. "Não há como reinar inocentemente", vociferava. Morreu guilhotinado...
Pessoas como o jovem Giovanni di Pietro di Bernardone, que tudo abandonou para amar Deus nas coisas simples, na natureza. Acabou santo. São Francisco.
Jovens fazem essas coisas. Enforcam-se sozinhos na corda da liberdade. Envelhecem, mudam. Viram o que não queriam, e aí os escritos do gênio Belchior tomam vida:
"Minha dor é perceber
Que apesar de termos feito tudo, tudo
Tudo o que fizemos
Nós ainda somos os mesmos
E vivemos
(...)
Ainda somos os mesmos
E vivemos como os nossos pais"
Mas existem poucos que se mantêm fiéis aos princípios da rebeldia e da inconformidade. Antônio Abujamra disse uma vez que depois dele e de Zé Celso Martinez, no teatro nacional, nada mais foi de vanguarda. Eles, velhos, causavam mais furor e eram mais modernos que os jovens. Ele falou isso já idoso, em seu brilhante programa "Provocações".
Assim ainda é Ney Matogrosso.
E assim era Rita Lee. Tinha tudo para ser uma reacionária, refratária, mimada. Sua família tinha raízes no Sul escravocrata, que emigraram depois da Guerra Civil para o interior de São Paulo para continuar escravizando pessoas. Mas não. Rita foi revolucionária do começo ao fim. Muitas são as histórias em torno de sua figura. Verdadeira lenda.
Convidada para ser apresentadora de uma roda de conversa entre mulheres, chamada Saia Justa, Rita, já sem aquele frisson de antes, resolveu ir e... tricotar enquanto outras três mulheres opinavam categoricamente sobre tudo. E ela lá, no tricô, crochê...
Que os jovens de hoje voltem a ter esse espírito de insatisfação com tudo e que, como Rita, queiram e consigam mudar. Mas que seja orgânico, saudável, natural. E não algo programático. Se caso nada der certo, é só cantar:
"Desculpe o auê
Eu não queria magoar você
Foi ciúme sim
Fiz greve de fome, guerrilhas, motins
Perdi a cabeça, esqueça
Da próxima vez eu me mando
Que se dane meu jeito inseguro
Nosso amor vale tanto
Por você vou roubar os anéis de Saturno"
Mas será que teremos jovens que, insatisfeitos, façam algo para mudar? Ou estarão cada vez mais convencidos de que está tudo bem e que daí só se voltam para seus próprios umbigos?Teremos jovens realmente vanguardistas?
Nada de revolucionário consigo enxergar nas artes cênicas ou na música em nosso país. Na política, essa palavra pode até prejudicar...
Pelo contrário. A revolução virou grife. Vanguarda só na moda. No discurso, nas mesas de bares recheadas de cervejas pagas com o suado dinheirinho do papai.
Não há nada de revolucionário nisso.
Eles sabem. Mas não gostam de ouvir.
A verdade é aquilo que foi escrito por Moacyr Franco e que fez história na voz de Rita:
"O ovo frito, o caviar e o cozido
A buchada e o cabrito
O cinzento e o colorido
A ditadura e o oprimido
O prometido e não cumprido
E o programa do partido
Tudo vira bosta
O vinho branco, a cachaça, o chope escuro
O herói e o dedo-duro
O grafite lá no muro
Seu cartão e seu seguro
Quem cobrou ou pagou juro
Meu passado e meu futuro
Tudo vira bosta"
Samuel Vidilli é cientista social (svidilli@gmail.com)