Mesmo sem uma nova data de votação, depois de ser retirado da pauta dos trabalhos da Câmara dos Deputados no último dia 2, o Projeto de Lei 2.630/2020 segue suscitando debate em praticamente todos os níveis de nossa sociedade.
É natural que seja assim - com esse nível de "calor". Afinal, o "PL das Fake News", como está sendo chamado pelos próprios veículos de Imprensa e pelos setores de (des)informação em suas diversas mídias, sofre o reflexo de um debate fruto do momento, ainda, de polarização que vive nosso país.
Deixo claro, desde já, que sou totalmente favorável a que tenhamos essa discussão - porque é fundamental, neste século XXI, que possamos regulamentar a nossa Internet o mais rápido possível. Só com essas providências poderemos caminhar no sentido de estabilizar as relações comerciais, sociais e políticas e evitar o abuso de poder econômico - abuso esse que é prática presente ao longo de décadas.
O texto do Projeto de Lei 2.630/2020 tem um sentido e alcance ainda mais amplos, como se vê do seu próprio teor: "Estabelece normas relativas à transparência de redes sociais e de serviços de mensagens privadas, sobretudo no tocante à responsabilidade dos provedores pelo combate à desinformação e pelo aumento da transparência na internet, à transparência em relação a conteúdos patrocinados e à atuação do poder público, bem como estabelece sanções para o descumprimento da lei."
Como se vê, o cerne do Projeto de Lei tem amplitude. Justamente por essa característica, penso que faltaram discussões aprofundadas entre a sociedade e entre os próprios membros do Congresso Nacional - e o que temos, no dia a dia, são discussões eivadas de valores questionáveis e um jogo de desinformação que beira a irresponsabilidade.
Em vez de pensarmos nos próximos cem anos, a impressão que tenho é que as questões ideológicas de parte a parte é que estão assumindo o protagonismo, tornando o momento pouco adequado para que tenhamos votação de projeto tão importante.
Desde que deu entrada no Congresso, em 1 de junho de 2020, o Projeto da "Lei Brasileira de Liberdade de Imprensa, Responsabilidade e Transparência na Internet" já recebeu 152 emendas. Depois de longa tramitação, o PL foi aprovado pelo Senado em sessão virtual (44 votos favoráveis e 32 contrários), seguindo para tramitação na Câmara dos Deputados.
Cabe mencionar que o texto, em seu artigo 3, estabelece princípios a serem protegidos, entre os quais:
a) a liberdade de expressão e de imprensa;
b) a garantia dos direitos de personalidade, dignidade, honra e privacidade;
c) o respeito à formação de preferências políticas e de uma visão de mundo pessoal do usuário;
d) o compartilhamento da responsabilidade de preservação de uma esfera pública livre, plural, diversa e democrática;
e) a garantia da confiabilidade e da integridade de sistemas informacionais;
f) a promoção do acesso ao conhecimento de assuntos de interesse público;
g) a proteção dos consumidores; e
h) a transparência nas regras para anúncios e conteúdos patrocinados.
Entre as questões mais polêmicas, estão as medidas de responsabilização dos provedores das redes sociais, a quem cabe vedar as "contas automatizadas", ou os "robôs", para ficar claro. Uma das estratégias a serem utilizadas seria a identificação de todos os usuários através de documentos de identidade.
Há, ainda, questões de responsabilização do Poder Público, tornando as contas de agentes da Administração "de interesse público". É, como se vê, enorme a tarefa na busca por erigir tal legislação. Deve ser feita, reafirmo. Mas não em meio ao atual ambiente de polarização.
Marcelo Silva Souza é advogado e consultor jurídico (marcelosouza40@hotmail.com)