Quando vi Valdir entrando na igreja e percebi sua cabeça totalmente branca, sentindo que seus cabelos haviam sido dominados pelo tempo e perdido a cor original, vi que o tempo tinha passado. Claro que havia anos que não o via, mas ver que todos os cabelos estavam brancos, senti que os meus seguiam o mesmo caminho. A surpresa foi igual quando encontrei com João, no centro da cidade e o percebi totalmente calvo. Me aproximei calmamente e o questionei se "se lembrava de mim". A resposta veio rápida: "amigo, o tempo me fez perder os cabelos e você 'grisalhou', como vou me lembrar quem é?"
Claro que a conversa terminou em riso, lágrimas de saudade de um tempo que nos foge das mãos. Mas ficou um misto de tempo perdido nestas coisas da vida que passam como se imaginássemos importantes e não deixaram marcas imagináveis. E o papo girou em torno dos anos que as pessoas perdem longe umas das outras, envolvidas em situações que não se explicam. E não se explicam porque temos que trabalhar, ganhar o sustento, correr para não ser vencido pelo tempo, mas que, de repente, percebemos que perdemos para ele.
Mas ver os cabelos tingidos de vermelho da morena Beatriz me fez ter certeza de que o tempo passou não só para os homens calvos ou grisalhos, mas para as mulheres que tentam esconder o que não volta mais. E se houvesse um debate para saber quem envelhece mais rápido, se homem ou mulher, diria que é a cabeça - não os cabelos - que definem a idade do ser humano.
Não importa se 30, 60 ou 90 anos, o que vale, o que faz a pessoa viver é a mente. Rugas podem mostrar o desgaste do corpo, mas é a mente que define o tempo de vida que teremos pela frente. Mas é claro que isso não tem lógica. Percebemos que tempo passa para nós, quando nos deparamos na frente do espelho ou no visual do amigo ou da amiga, mas não podemos, nunca, definir o tempo que cada um tem para viver.
Pode parecer incoerência o que acabei de dizer, mas a lógica do mundo faz-nos prever que nascemos, crescemos e, depois de muitos anos, deixamos este mundo de Deus para, dependendo da crença de cada um, passar para uma outra dimensão Mas a realidade nos mostra uma infinidade de diferenças. Às vezes ficamos sabendo que, há anos, um amigo se foi e só soubemos disso quando resolvemos marcar um encontro dos formandos do curso X. Definida a lista dos 40, descobrimos que parte deles já chegou à outra dimensão. E isso nos frustra, nos decepciona, nos mostra que passamos junto com o tempo.
Refletimos sobre a vida que é só uma, que não há máquina do tempo que nos faça voltar para realizar o sonho que nos fugiu por entre os dedos. Percebemos que o dia de hoje rapidamente será ontem e que o amanhã já está batendo na porta, querendo entrar e passar. E passa, sem perguntar se pode ou se queremos que assim seja e desaparece deixando lembranças ou marcas que não se apagam jamais. Sem querer copiar Vinícius de Morais que dizia que "a vida é a arte do encontro, embora haja tanto desencontro pela vida", lutamos para levar esta empreitada até o fim, mesmo que tenhamos que perder os cabelos ou deixá-los brancos. Mesmo que tenhamos que olhar no espelho e nos imaginarmos vencedores da batalha, sem que o juiz tenha dado o apito final.
Nelson Manzatto é jornalista (nelson.manzatto@hotmail.com)