Opinião

Crer para ver

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Saiu no The New York Times na semana passada um artigo intitulado "Não dá mais para acreditar naquilo que vemos?". Os autores trouxeram uma relação entre inteligência artificial generativa (IAG) e nossa capacidade humana, ou mesmo tecnológica, de perceber o que é real e o que não é.

As imagens do Papa com um casaco branco, do terremoto no Pacífico Noroeste e do Trump em uma passeata com uma multidão de seguidores e bandeiras americanas, que circularam pela internet nos últimos dias, embora pudessem ser vistas, mostravam fatos que não existiram. Foram imagens criadas pelo MidiJourney, uma ferramenta de inteligência artificial generativa gratuita. A preocupação dos autores é que esse tipo de tecnologia possa resultar em uma crise de confiança na mídia, na política, na economia... Mas a grande diferença é que essa tecnologia está acessível a mais pessoas, já que a manipulação de dados e imagens não é uma novidade. A indústria gráfica sempre fez fakes em massa. Lembro-me que, em 2000, eu trabalhava na gráfica Burti, que fazia a pré-impressão e a impressão da maioria das revistas da época, inclusive a Playboy. E me contaram que, no Photoshop, trocaram as nádegas de uma determinada celebridade que posava nua, pelas de um jogador de futebol. Se em 2000 era necessário ter bons computadores, softwares caros, profissionais experientes e fotos de boa qualidade, desde 2019, qualquer pessoa com um celular é capaz de fazer o mesmo. E hoje, a IAG é capaz de criar imagens de pessoas que não existem e vídeos de coisas que nunca aconteceram.

No Ocidente, nosso desejo por dividir algo até chegar a algo indivisível, mas ainda assim visível, data de 500 a.C. Leucipo e Demócrito, filósofos gregos, compuseram a Teoria Cosmológica. Eles defendiam que tudo surgia de agregados de elementos indivisíveis chamados átomos. Precisamos de 2500 anos para que a física quântica nos comprovasse que era possível dividir os átomos a tal nível em que o vazio se sobressaísse. Tudo o que vemos é, no fundo, vazio. Então, o que percebemos já não é o que percebemos faz muitos e muitos anos. Buda Shakyamuni em 2500 AC já dizia: "where there's perception, there's deception" ("Onde houver percepção, haverá decepção"). Mas nossos hábitos são baseados na teoria cartesiana; precisamos de concretude, não podemos acreditar pela lógica, como nos convida o Budismo. Precisamos ver para crer.

Gosto de ver como a tecnologia vem nos ajudando a quebrar esse paradigma. A energia elétrica e a internet são invisíveis, no entanto, acreditamos nelas. Os computadores e celulares nos conectam com pessoas do outro lado do mundo e, em uma chamada, conversamos com um amontoado de pixels, como se estivéssemos conversando com uma pessoa real, e nem percebemos isso. Chegamos ao ponto de acreditar no que é postado nas redes sociais, mesmo nós mesmos usando filtros e mais filtros para parecermos mais jovens, mais magros, mais ricos, para que o mar e o céu fiquem mais azuis. O conceito de "ver para crer" está mais do que ultrapassado. Já faz muito tempo que acreditamos no que não existe, mas simplesmente não nos damos conta disso.

Elisa Carlos é intra empreendedora, engenheira e especialista em inovação (elisaecp@gmail.com)

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