Quando o padre Alberto abençoou a gruta de Nossa Senhora de Lourdes, procurei por Fernando na multidão que estava instalada na escadaria da igreja da Vila Arens, mas não o vi. A água descendo por entre as imagens e deitando no pequeno lago ao pé da gruta me dava a inspiração de fazer algo parecido em casa, claro que num tamanho muito menor. Hoje, a gruta não existe mais, foi retirada do local com a informação de que a água estava minando dentro da igreja. Imaginei que a exclusão da água poderia ser uma solução, mas as imagens e volume de pedras que formavam o ambiente sagrado desapareceram. Não encontrei Fernando, pois ele não estava presente e decidi pela surpresa: busquei nas ruas do bairro pedras para iniciar meu projeto arquitetônico, mas encontrei apenas pedaços de tijolos. E foi com eles que iniciei a construção de minha gruta. O local escolhido foi ao lado de um pé de pêssego e os tijolos foram se formando. Talvez como na música que Chico Buarque faria anos depois: "tijolo por tijolo, num desenho mágico". Difícil, prá mim, fora criar o lago, pois não imaginava a arte de cimentar o local. Pronta a gruta e colocada a imagem, chamei por Fernando para apreciar minha "arte". O lago existia, mas a água, no contato com a terra, secava rapidamente, mas a engenhoca funcionava: eliminei o fundo de uma garrafa e a coloquei, com a boca para baixo atrás da gruta. Instalada, eu colocava com o regador que meu pai aguava a horta, a água na garrafa. Esta descia, vinha pelo fundo da gruta, atravessava as pedras e caía no pequeno lago. Fernando olhou, se divertiu com a obra e foi embora pensativo. Senti isso, no silêncio dele. E o amigo vizinho retribuiu a surpresa: dias depois me chamou ao seu quintal e lá estava sua gruta, também feita com pedaços de tijolos, toda cimentada e a água estacionada no pequeno riacho. Antonio Fratezi, o homem que fazia presépios todo Natal, me segredou que fora ele quem fizera o lago. Curiosa a reação de uma criança: não fiquei satisfeito com isso, até porque, ele não colocara a garrafa sem fundo atrás da gruta e a água entrava lateralmente na gruta. Imaginei, também, que cada um faz aquilo que lhe é possível e decidi mudar tudo: cheguei em casa e destruí a gruta que fizera. Recebi orientações de meu pai, arrumei um pouco de cimento e areia e parti para a obra, mas em outro local: agora ao lado de casa, próximo a uma torneira: "tijolo por tijolo, num desenho lógico" e a gruta ficou pronta. Garrafa sem o fundo colocada no local, o pequeno lago cimentado e, no meio dele, um pedaço de cano, com uma tampa com alguns furos. A engenhoca era ligada a uma mangueira e, quando chegava alguma visita, eu corria para abrir a torneira, enchia a garrafa atrás da gruta e as pessoas ficavam maravilhadas com tudo isso. Mas era preciso mais: chamei por Fernando, descemos a rua José Maria Marin, ao lado das casas da Vila Agrícola, chegamos ao córrego ao lado da estrada de ferro e ali encontramos vitória-régia. Duas eram suficientes: uma para a minha gruta e outra para a de Fernando e, para completar, imaginamos que os pequenos guarus do córrego sobreviveriam na gruta. Ao constatar que não, abandonamos a ideia, mas a vitória-régia crescia, florescia, se multiplicava, sem riscos de dengue, uma doença do futuro... Fernando se foi repentinamente, me casei, fui embora para Campinas, mas nunca deixei de ver a gruta quando visitava meus pais. Quando o imóvel foi vendido, recolhi a imagem, mas nunca desisti do sonho: refiz a gruta depois de adulto, agora com pedaços de pedra. Com o risco da dengue, o lago não existe mais, mas uma pequena lâmpada ilumina a obra de arte no jardim de minha casa e é comum verificar pessoas passando e se benzendo diante da imagem de Nossa Senhora de Lourdes. E, toda noite, quando vou ao jardim rezar uma Ave Maria para a santa, retorno saudoso dos tempos, mas realizado por perseguir um sonho!
Nelson Manzatto é jornalista (nelson.manzatto@hotmail.com)