Em 2009, trabalhei como assessor na Câmara Municipal de Jundiaí. E em um de seus discursos, a então vereadora e amiga de sempre Ana Tonelli já previa sabiamente (como lhe é característico): as chuvas do começo de ano eram preocupantes. "E isso que estamos em fevereiro. Ainda faltam as tão conhecidas águas de março", disse, em tom de preocupação.
Desde então, sempre me atentei a esses fenômenos. E de fato, deslizamentos de terra no Brasil ocorrem comumente em todo o território nacional e são mais frequentes durante os meses de verão. Isso se deve às chuvas torrenciais que são costume nessa época do ano no país. São dilúvios intensos em diversas regiões.
Mas além das causas naturais associadas a esse fenômeno característico da região (de acordo com a classificação de Koppen - sistema de classificação global dos tipos climáticos mais utilizado em geografia, climatologia e ecologia -, o clima de São Paulo é Cwa, também chamado de subtropical úmido, caracterizado por um inverno notadamente seco e um verão bastante chuvoso), a urbanização desordenada, sem planejamento, potencializa a ocorrência de tragédias anunciadas, com as construções realizadas em encostas de morros e serras, lugares já altamente suscetíveis aos movimentos de terra.
As regiões Sul e Sudeste concentram o maior número de áreas de alto risco de deslizamentos, embora, como já foi dito, haja essa predisposição em todo o país. Uma das áreas mais afetadas é, continuamente, a região serrana do Rio de Janeiro. Em 2011, por exemplo, deslizamentos nessa região deixaram quase mil mortos e 35 mil pessoas desabrigadas.
Dessa vez, as vítimas foram os paulistas. A tragédia que devastou o litoral norte de São Paulo fim do mês passado deixou ao menos 48 mortos e entrou para a história com o maior registro de volume de chuvas do Brasil. Mas também não é o primeiro desastre que marca a região. Em 1967, moradores de Caraguatatuba viviam outra catástrofe histórica. Parte da Serra do Mar deslizou sobre a cidade, deixando 450 mortos e 3 mil desaparecidos, segundo registros oficiais. Tal ocorrido fez com que se criasse a Defesa Civil do Estado. Números assustadores.
Claro que existem questões importantes e que fogem de nossa capacidade de resolução. As chuvas deste ano no litoral foram consideradas as mais fortes e com um volume de água que não teria como ser impedido. Mas a tragédia poderia ser bem menor. Para isso, nada mais do que a boa e velha... política.
É preciso pensar na solução de forma global. Além de barrar o uso indevido do solo, evitar a retirada da vegetação de morros, não plantar árvores pesadas e de raízes curtas, descartar lixo e dejetos adequadamente e criar canais para o escoamento da água, outras medidas preventivas são possíveis, tais como garantir bons empregos, salários mais justos para que as pessoas não precisem sair de onde vivem porque "está caro", impedir a gentrificação e as construções irregulares (desde casebres a mansões que desobedeçam as regras de bom uso do solo).
Só um olhar holístico, amplo, pode resolver essa questão, essa crônica anunciada que vivemos todos os anos em nosso país. Só uma boa política, mais justa. Só a lei sendo aplicada para todos.
Samuel Vidilli é cientista social (svidilli@gmail.com)