Vazaram algumas imagens de bastidores do novo filme do "Coringa". Por uma rua, vemos Joaquin Phoenix sair de um carro e correr entre outros veículos enquanto é seguido pela câmera. O que para muitos pode parecer simples, um dia como outro de filmagem, merece ser observado com calma. Há muito mais em jogo em um filme como tal.
Primeiro observe os veículos. São carros antigos, quadrados, dos anos 1980. A história de "Coringa", sabemos, passa-se nessa época. A produção precisa ser fiel. Tiveram de alugar vários veículos apenas para essa cena. Tiveram de fechar uma avenida, por um determinado tempo estipulado com a administração pública, e mudar o fluxo do trânsito.
O que quero dizer com essas observações? Que fazer cinema custa volumes altos de dinheiro, que detalhes e recriações de época estão em jogo e, no caso do segundo "Coringa", ao que parece, sua produção optou por fazer na rua o que poderia ser feito em estúdio - não com o mesmo resultado, também a um custo alto - para ter mais realismo.
Quando se tem dinheiro é difícil. Quando não se tem, ou se tem pouco, mais ainda. Nem sempre ter dinheiro em excesso é garantia de qualidade. Inúmeras grandes produções estão aí para comprovar isso, com resultados que beiram o ridículo, milhões de dólares jogados no lixo e a rejeição de um público que não é tapado o suficiente para comprar qualquer coisa. Há um limite para tudo, até para o fã mais fervoroso de uma franquia famosa.
Pensei nas imagens vazadas de "Coringa" enquanto assistia a um documentário sobre John Cassavetes. Tenho assistido e revisto algumas obras de Cassavetes e me deparado com sua total busca por liberdade criativa com pouco orçamento, sem depender dos estúdios. Nesse documentário dos anos 1980, enquanto filmava "Amantes", Cassavetes afirma que "dinheiro não tem nada a ver com cinema" e que "mata a criatividade" de seu realizador.
Sou tentado a concordar com ele, considerado o pai do cinema independente americano. Por outro lado, é importante dizer que sem um mínimo de dinheiro, no cinema, não se chega a lugar nenhum. Cassavetes sabia disso: seus filmes, até os mais baratos, protagonizados por amigos e sua mulher (Gena Rowlands), tinham um orçamento mínimo. Tinham investimento de produtores externos e equipe de produção em todas as etapas.
O que o grande diretor queria dizer é que o dinheiro "mata a criatividade" à medida que se torna a parte mais importante (ou a única) do jogo. O que Cassavetes repudiava era a mentalidade dos grandes estúdios cujos chefões - a despeito da confiança em seus artistas contratados - pensavam a máquina apenas segundo seu retorno financeiro.
O que ganhava ao atuar em filmes como "Os Doze Condenados" e "O Bebê de Rosemary", Cassavetes utilizava para bancar trabalhos autorais como "Faces", "Maridos" e "Uma Mulher Sob Influência". Muitas das cenas de seus filmes foram filmadas em sua casa ou na de amigos. Nas ruas, nada de figurantes ou veículos alugados, mas pessoas reais, de passagem, que se mesclavam aos atores e, por acaso, terminavam na película.
Morto em 1989, Cassavetes ensina-nos que não é preciso muito dinheiro, atores famosos e bloquear avenidas para fazer grandes obras. Também é possível, penso eu, fazer filmes incríveis com quantias altas de dinheiro e as pressões do mercado por retorno. Hoje não é muito comum, mas é possível. O primeiro "Coringa" está aí para provar isso.
Rafael Amaral é crítico de cinema e jornalista; escreve em palavrasdecinema.com; contato em ramaral@jj.com.br