OPINIÃO

Pra bom entendedor meia palavra não basta!

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Existe uma sentença, um dito popular ou uma meia verdade que diz que "...pra bom entendedor, meia palavra basta...". Você certamente já ouviu ou leu isso. Pois bem. Acredito que essa seja uma das coisas mais trágicas aos relacionamentos, sejam eles profissionais ou pessoais. Ouço muita gente se queixar da comunicação falha nas empresas onde atuam. Sim, mas não só nas empresas, na vida! Lembrei de uma frase maravilhosa do cineasta chileno Alejandro Jodorowsky, que diz que "Entre o que eu penso, o que quero dizer, o que digo e o que você ouve, o que você quer ouvir e o que você acha que entendeu, há um abismo...".

Como bem diz a escritora e psicanalista Ana Suy, que invariavelmente cito por aqui, para bom entendedor meia palavra nunca será suficiente, pois quando supomos entender o que o outro não disse, podemos estar apenas escutando o nosso próprio narcisismo, muitas vezes conveniente e manipulador. Suy nos propõe refletir sobre o fato de que um bom entendedor seja, na verdade, um mau entendedor.

Da lente do cuidado informado sobre trauma, visão e proposta sobre a qual atualmente me debruço na neurociência comportamental, uma pessoa traumatizada e, ou, em processo de dissociação - comportamento que leva alguém a ter zero concentração e atenção ao que se passa no presente pra estar ou presa aos acontecimentos e memórias passados ou em constante ansiedade pelo que virá ou não, no futuro - muitas vezes lança mão de mecanismos de absoluta incomunicabilidade. Geralmente não é proposital, mas sim porque seu sistema nervoso traumatizado não consegue, simplesmente, reagir com atitude de fala, constituindo assim o que chamamos de resposta interrompida ou bloqueada. E isso também é objeto de intenso sofrimento psíquico. O silêncio do traumatizado torna-o vulnerável a todo o tipo de julgamento, alimentando ainda mais o ciclo sistemático de microagressões a que é submetido, muitas vezes sem chance de defesa.

Não, não somos bons entendedores de meias palavras. E talvez eu precise de mais e mais artigos inteiros para aprofundar essa reflexão. Mas, desde já, um bom exercício para começar a mudar isso é: fale! Expresse. Tem dúvida? Pergunte, esclareça. Deixe claro que não ficou claro. E pra quem tem - ou acha que tem - dificuldade para se comunicar, não importam os motivos, porque às vezes é só má vontade mesmo, fica um alerta: a falta de comunicação clara quando delongada gera rupturas drásticas. E essas, garanto, não chegarão com apenas meias palavras, pois até o afastamento sem nada dizer, também comunica dolorosamente algo. Entre tantas, algumas formas de rupturas drásticas: uma demissão, um divórcio, um distrato, uma amizade desfeita.

Hoje dispomos de valiosos ensinamentos de fácil acesso, como a comunicação não violenta (CNV), a mediação de conflitos e a educação parental. Cada uma dessas ferramentas possui pilares próprios, mas a base é uma só: promover a fala utilizando de amor, verdade como forma de reparação. Afinal, sempre é possível falar qualquer coisa, para qualquer pessoa, a qualquer tempo, basta saber como. E como diz o professor e psicanalista Willian Maron, "o silêncio pesa demais quando está segurando gritos e represando afetos...".

Márcia Pires é sexóloga e gestora de RH

(piresmarcia@msn.com)

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