Ganância e tempo

01/02/2023 | Tempo de leitura: 3 min

Jundiaí tem atualmente uma área com cerca de 43 mil hectares. Mas já foi muito maior. Sabemos, graças aos documentos históricos, que o então Matto Grosso de Jundiahy ocupava uma área que ia até as fronteiras com o Rio Grande, bem ao norte do atual Estado de São Paulo, chegando também onde hoje se encontra Camanducaia, em Minas Gerais.

Não havia cuidado algum com a preservação ambiental, muito menos com os povos autóctones, nativos. Pouco sabemos deles, que fugiram ou foram mortos. Vieram os europeus. Os africanos. Os asiáticos.

A exuberância da fauna e da flora foram substituídas por plantações de café, e depois por cidades cada vez maiores. As trilhas de mulas viraram rodovias. O Caminho de Goiaz se transformou na Avenida Steve Jobs

Foram necessários muitos anos, centenas, para que se reconhecesse a importância da mata atlântica, da floresta. Da manutenção desse bioma. Tarde demais. Pouco sobrou de cobertura vegetal original. Agora estamos em outra era aqui em Jundiaí. Percebe-se das empresas uma preocupação em não desmatar, e até mesmo, quando necessário, oferecer compensações ambientais.

Esse desenvolvimento todo não para. Basta uma caminhada pelos bairros antes considerados distantes. Medeiros, Eloy Chaves, Almerinda. Vemos outra realidade. Vemos tudo em obras. Assim como era aqui, nossa cobertura vegetal, especialmente na região amazônica, é simplesmente exuberante. Hoje, porém, existem tantas formas de se explorar as riquezas da natureza.

Tantas coisas mudaram para melhor. Tantas coisas evoluíram. Por que ainda cometer tantos erros do passado? A prova de que parece que não aprendemos nada está na exploração vil do ouro em terras demarcadas no norte de nosso país. Mas, pior que isso, é a ideia de que aquela região precisa ser desbravada e destruída para dar lugar a grandes centros modernos como... uma Jundiaí da vida.

A ideia absurda de progresso como gerador de felicidade e riqueza.

Não. O que gera riqueza é o estudo. A compreensão clara e reflexão do que se lê, do que se vê e do que se quer. E isso leva tempo.

Dia desses, em uma bate papo informal com o excelente Marcello Brito, agroambientalista e Presidente da ABAG (Associação Brasileira do Agronegócio), tive uma aula de sustentabilidade. Que campo inexplorado! Quanta coisa dá para se fazer sem precisar derrubar uma planta sequer. Fiquei empolgado, mas ele me disse que cada coisa precisa ter seu tempo e, de forma especial, é necessário um trabalho de convencimento, de educação, informação. Que leva tempo.

Ouvi algo parecido em conversa que tive com nosso novo bispo, Dom Arnaldo Carvalheiro. Uma pessoa do mais alto nível e de uma alegria e simplicidade contagiantes. Dizia ele sobre o processo de aprendizagem. De como é preciso entender como funciona. Desde a ideia de um autor sobre determinado tema, o tempo que ele leva para colocá-las no papel, publicar, ser lido, compreendido e assimilado pelo universo acadêmico formado por pessoas como ele, que discutem, testam hipóteses...

Ambos (Marcello e Dom Arnaldo) frisaram a importância do tempo. Em um mundo cada vez sem tempo. Onde a informação não é dada, mas apenas a opinião. Como bem me disse Dom Arnaldo, temas delicados e complexos resumidos a vídeos de minuto e meio no Tik Tok. Vídeos esses que viralizam quanto mais histriônicos e escandalosos forem. Que são bem monetizados. Muito mais do que os livros escritos com tempo e zelo por pessoas que estudam e se dedicam a um tema por uma vida. E como bem me disse o amigo Marcello, ao invés de buscar consolidar um agronegócio 1.0, 2.0 e 3.0, só se fala do 4.0. Pulam etapas importantes e essenciais. Por conta da ganância.

Precisamos de tempo. Senão seremos engolidos pela pura ganância. Como os nossos irmãos yanomamis. Como foram nossos nativos do Mato Grosso de Jundiahy.

Samuel Vidilli é cientista social (svidilli@gmail.com)

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do SAMPI

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