Ao rever cenas preservadas em minha memória, percebi que o tempo passou rápido demais e que surgiram ações que não tive como controlar e senti vontade de viver mais uma vez. E senti saudade, recordações, senti que um nó forte se amarrou em minha garganta, que as lágrimas tentaram rolar pelos olhos e fiz deste sentimento ou destes sentimentos uma série de desejos.
E queria, pelo menos mais uma vez, passar pela avenida São Paulo, rever o local em que nasci. Mesmo que não haja mais aquela velha casa, os pés de caqui, abacate, laranja, jabuticaba. Mesmo que a pequena gruta que construí ao lado da casa também não exista mais. Afinal, a velha casa deu lugar a um barracão, transformado em depósito de sei lá o quê.
E queria, pelo menos mais uma vez, passar pela rua General Carneiro, onde existiu o prédio do velho Grupo Escolar Paulo Mendes Silva. Mesmo que hoje, ali, não exista nem menção do que foi, pois o local se transformou numa série de moradias.
E queria descer, pelo menos mais uma vez, pela mesma rua, estacionar meus sonhos em frente à escola do Divino e perceber que o velho professor Daniel não está mais lá para dar aulas de educação física, que o professor Storani não está mais para contar histórias de sua vida, que padre Gabriel não está mais dirigindo o local que tem hoje um visual diferente da década de 1960.
E queria, pelo menos mais uma vez, descer aos porões da igreja da Vila Arens, só para acompanhar as lições de religião dadas por padre Hugo nos tempos da Cruzada Eucarística Infantil. E recordar a fita amarela, igual à do Batista, do Max, da Vitória, do Vicente, das Marias irmãs, só prá lembrar da primeira Eucaristia, com celebração do padre Alberto, com foto tirada no estúdio ao lado do Empório Bizarro, onde minha mãe fazia a despesa mensal com seu irmão e meu padrinho João.
E queria, pelo menos mais uma vez, transitar pelo prédio atual do Paulo Mendes Silva, agora na avenida Fernando Arens onde fiz o ginásio no local onde funcionava uma espécie de filial do Geva. E passar, pelo menos mais uma vez, por onde funcionava o armazém do seu Valentim, onde comprava a pinga do garrafão e o cigarro Fulgor para meu pai.
E queria, pelo menos mais uma vez, rever o prédio onde funcionou o Seminário Jordanianum, em Várzea Paulista, onde pensei que poderia ser padre, mas o destino desta vocação era para meu irmão.
E queria, mais uma vez, rever a velha pintura da igreja da Vila Arens onde eu disse meu sim à minha esposa, Rita de Cássia, e rever as casas onde moramos nestes quase 32 anos de paz, só prá reviver cada plano desejado, cada sonho sonhado, cada passo dado.
E queria, mais uma vez, rever o salão da capela São Cristóvão, em Campinas, onde meu irmão presidiu a cerimônia de batismo de meu filho, Tiago Alexandre.
E queria, mais uma vez, rever o prédio no trevo desta mesma cidade, onde funcionou o jornal, onde trabalhei por longos dez anos e, porque não, rever, mais uma vez, o prédio da rua Major Quedinho, em São Paulo onde a profissão continuou. E rever o trem do subúrbio que tantas vezes me encurtou o caminho até a capital só prá gastar menos com a passagem que de ônibus.
E queria, mais uma vez, atualizar a memória e rever as viagens feitas nas férias de trabalho, as praias, os mares, mesmo que todos eles sejam um só. Rever, mais uma vez, as vitórias literárias, as conquistas profissionais, só pra sentir o gosto de ser feliz duas vezes.
E queria, mais uma vez, viver de novo todos os sonhos, todos os desejos, todas as alegrias, nem que fosse uma última vez!
Nelson Manzatto é jornalista (nelson.manzatto@hotmail.com)