Oscar ladeira abaixo

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Desde que "Kramer vs. Kramer" derrotou "Apocalypse Now" ou, ainda antes, quando "Rocky - Um Lutador" desbancou "Taxi Driver" e "Rede de Intrigas", o Oscar não tem sido mais o mesmo. Só piorou ao longo dos anos. Filmes vencedores como "Rain Man" ou "Dança com Lobos" hoje soam grandiosos perto de ganhadores recentes como "Crash - No Limite", em 2006, ou "No Ritmo do Coração", ano passado.

A promessa de trazer mais votantes - levando assim a mais diversidade, inclusive com a entrada de mais negros e latinos - e o aumento de categorias - de cinco para dez em melhor filme - nada fizeram para melhorar o quadro. Talvez seja mesmo um problema da indústria, influenciada pelo marketing que dita, com agressividade, quais filmes devem estar na lista, quais estão "para consideração", quais são "impossíveis não amar", quais representam "o melhor". E o resultado é a indicação de produtos como "Elvis" e "Top Gun: Maverick".

Mas pode ser pior. Sempre pode. Um filme como "Tudo em Todo Lugar ao Mesmo Tempo" é fruto de algo que vai além do marketing: é o sinal de um tempo em que um filme idiota e frenético faz-se parecer inteligente, em que uma trapaça assume ares superiores e cai no gosto da crítica e do público, na rabeira da moda do multiverso e sob a influência dos games.

Pois a gororoba escrita e dirigida por Dan Kwan e Daniel Scheinert parte hoje como favorita ao prêmio de melhor filme. Corre o risco de ganhar. Corre o risco de concretizar assim uma das maiores - talvez a maior - vergonha da história da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas, que já premiou "O Poderoso Chefão" e "Os Imperdoáveis".

A dupla pode desbancar ninguém menos que Steven Spielberg, nomeado pelo ótimo "Os Fabelmans", e outros trabalhos superiores como o de Martin McDonagh em "Os Banshees de Inisherin" e, a despeito de toda divisão causada pelo filme, o de Ruben Östlund em "Triângulo da Tristeza", um ataque e tanto aos super-ricos do mundo atual.

É um Oscar que confirma os movimentos de anos anteriores: seus quase 10 mil votantes espelhados por 80 países preferiram a perfumaria brega de "Elvis" às ousadias de "Babilônia", o filme de Damien Chazelle sobre a Hollywood livre e louca - incluindo sexo e excrescências - do fim dos anos 1920, tão perto do cinema falado.

Preferiram igualmente a previsibilidade das aventuras de "Top Gun" e "Avatar: O Caminho da Água" à originalidade de "Não! Não Olhe!", sobre dois irmãos que descobrem alienígenas nos céus do rancho em que vivem. E isso é só o início do mistério proposto por Jordan Peele em outro longa-metragem que aborda as raízes do cinema, aqui com viés mais original. Nem a excelente Keke Palmer foi lembrada como coadjuvante.

Há ainda algum consolo nas indicações de 2023, como Paul Mescal em melhor ator por "Aftersun" e "Argentina, 1985" e "EO" para filme internacional, além das várias do extraordinário "Nada de Novo no Front", injustamente fora de melhor direção. O épico de Edward Berger, baseado no famoso livro de Erich Maria Remarque, está indicado em oito categorias, incluindo filme, roteiro e filme internacional. Tem algumas das melhores batalhas em filmes de guerra vistas nos últimos anos.

Com a entrega dos prêmios dos sindicatos, nas próximas semanas, teremos uma ideia se o Oscar deverá confirmar a mediocridade ou, talvez, ainda apostar no bom cinema. De qualquer forma, tem provado, ano após ano, que não merece ser levado a sério.

Rafael Amaral é crítico de cinema e jornalista; escreve em palavrasdecinema.com  (ramaral@jj.com.br)

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