Estamos todos nus

24/01/2023 | Tempo de leitura: 4 min

Quem nunca se preocupou com o que o outro acharia da sua aparência, maneira de falar, jeito de se vestir? Quem nunca tirou uma dezenas de fotos até encontrar uma boa o suficiente para impressionar os outros nas redes sociais? Quem nunca perdeu horas do dia passando roupas para não chegar amassado em algum compromisso? E quem já se perguntou o motivo de tudo isso? Penso que tudo está ligado a importância que damos para o que os outros acham da gente. E o mais impressionante é que para entender isso, precisamos olhar para a Bíblia, mais especificamente para Adão e Eva.

Você conhece a história. Mas mesmo assim, vou refrescar a sua memória. Deus fez Adão e Eva e falou para não comerem do fruto proibido. A Eva comeu do fruto, chamou o Adão e deu pra ele também e vamos ver se você conhece mesmo essa história. Qual foi a primeira reação deles após comer do fruto proibido? Eles perceberam que estavam nus e, com vergonha um do outro, cobriram suas partes intimas com folhagem.

Ah… que história fantástica. Uma alegoria e tanto para nos dizer o que aconteceu com a nossa espécie quando nos tornamos Homo sapiens.

Adão e Eva é a história da nossa evolução como espécie. É um resumão da nossa trajetória como seres humanos escravos do Estado de Natureza para o Estado Social. Veja, quando Adão e Eva ainda não tinham comido do fruto eles estavam no Estado de Natureza que significa a nossa condição mais primitiva. Aquela condição que somos guiados pelos instintos como qualquer outro animal. Um hipopótamo é um ser vivo preso ao Estado de Natureza. Ele não se importa com muita coisa a não ser sobreviver, comer e procriar. Adão e Eva, ou os nossos parentes mais antigos, há 2,5 milhões de anos, agiam exatamente à moda de um hipopótamo ou qualquer outro animal: sobreviver, comer e procriar.

Mas esse estado se perdeu no momento que ambos morderam o fruto. Quando eles percebem que ambos estavam nus, surge um sentimento que eles, antes como animais instintivos, nunca haviam sentido. Um sentimento exclusivamente social. Um sentimento que só seres humanos possuem. A vergonha!

A vergonha que eles sentiram é um marco histórico, representa um ponto de virada do Estado de Natureza para o Estado Social. Eles sentiram vergonha porque eles perceberam o Outro. Eles sabiam da existência um do outro antes, claro. Mas entender e aceitar a presença do outro como indivíduo independente significa pensar que o algo que é externo a você pode te julgar.

Quando eles se viram pelados logo fizeram essa associação e entendendo que estavam sendo julgados enquanto julgavam, sentiram medo de como esse julgamento estava sendo feito. Esse medo é a vergonha. Nós sentimos vergonha quando sofremos com o julgamento alheio.

Essa percepção do outro como um indivíduo é a grande característica do Homo sapiens. Hipopótamos não enxergam outros Hipopótamos como indivíduos. Não ligam para o que as hipopótamos fêmeas pensam sobre eles. E as fêmeas também não. Já os sapiens assumiram a presença de uma outra pessoa, alguém que não é ele, alguém que está fora, alguém que é o outro. E compreendem que esse outro também faz essas mesmas associações.

O fruto do conhecimento é, portanto, o salto evolutivo que demos de animais naturais para animais sociais. O problema disso tudo é que quando percebemos a presença de um outro indivíduo que tem seus próprios pensamentos, desejos e modo de ver o mundo, ficamos preocupados como ele nos vê. Para obter o melhor julgamento possível do outro, realizamos tarefas e fazemos coisas que as vezes nem fazem parte do que realmente somos.

A indústria dos cosméticos se baseia nisso. A maquiagem maquia, disfarça, quem realmente você é para agradar o olhar do outro. "Mas eu me sinto feliz e bonita quando me maquio". Não duvido disso, mas já parou para perguntar o porque você fica feliz quando se sente bonita?

Penso que no fim das contas o olhar do outro não deveria importar tanto. Liberte-se do julgamento do outro. E também esqueça de que o outro está "nu" também. Não ligue para o julgamento. Não julgue. Afinal, não estamos aqui para julgar.

Conhecimento é Conquista

Felipe Schadt é jornalista, professor e cientista da comunicação pela USP (felipeschadt@gmail.com)

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do SAMPI

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