Livro de Ruy Castro, "Os perigos do imperador - um romance do Segundo Reinado" é obra para se ler, rir e divertir-se. E admirar. O autor mistura personagens e fatos históricos com ficção. Parte de um acontecimento verdadeiro: a viagem do imperador brasileiro Pedro II aos Estados Unidos, em 1876, por ocasião do centenário da independência do país. Era o primeiro monarca com ascendência europeia (ele pertencia às casas de Habsburgo e Bragança) a visitar a república da América do Norte. Dessa visita permaneceu o interesse de Dom Pedro pelo invento de um à época desconhecido Alexander Graham Bell, cientista de Boston, que bolara aparelho para comunicação, o telefone. Ninguém havia dado bola para o treco, até o ilustre visitante da América do Sul.
Ruy Castro junta notas de diários, artigos e editoriais de jornais de época e os textos do jornalista James O'Kelly, repórter do "New York Herald", que viera ao Brasil para conhecer o imperador e o acompanhou na visita aos Estados Unidos.
O jornal novaiorquino inaugurara a moderna reportagem. Seu dono e editor, James Gordon Bennett Jr, antevira o interesse do público pela cobertura de fatos impactantes, sejam acidentes, cataclismos ou aventuras, contados como num folhetim. Criou o noticiário com enredos emocionantes. Foi repórter do "Herald", Henry Stanley, quem procurou e encontrou o médico e explorador escocês David Livingstone, perdido no sertão africano, em 1871. As peripécias narradas pelo repórter à procura de Livingstone foram acompanhadas com entusiasmo pelo público e consolidou um modelo de reportagem. Esse estilo foi usado por O'Kelly para narrar a viagem de Dom Pedro.
No livro de Ruy Castro, tem ainda as observações de um caderninho do poeta maranhense Joaquim de Sousândrade, que morou nos Estados Unidos na época da visita imperial. Sua poesia vanguardista passou incompreendida em seu tempo. De volta ao Brasil, Sousândrade perdeu a fortuna e a sanidade, e ficou conhecido como um excêntrico doidão de São Luís. Um caderno de apontamentos do poeta foi arrematado por Castro em feira de antiguidades e suas notas engrossaram o tempero do romance (a presumível viagem desse manuscrito de São Luís ao Rio de Janeiro, conjecturada pelo autor, vale outro romance).
Também entram em cena os virulentos artigos do jornalista Deoclecio de Freitas, dono de um periódico de ferrenha oposição ao governo. Assim como o preservado diário de Pedro II, transcrito por historiadores, importante documento para compreender circunstâncias e decisões do imperador.
A esses apontamentos dispersos o romancista costura as observações do narrador e preenche lacunas do enredo. Recria o cenário da aristocracia carioca do período, com sua infindável galeria de "nobres", interesses e (muitas) fofocas. Insere seu livro numa categoria hoje chamada de "romance de não-ficção".
O talento de Ruy Castro para compor ambientes, depurado pelas biografias que escreveu (de Garrincha e Nélson Rodrigues, por exemplo), deixa o leitor hipnotizado, querendo avançar mais. Deixa-o também, no final, com um gosto de "já acabou? E agora?".
Fernando Pellegrini Bandini é professor de Literatura (fpbandini@terra.com.br)