Jesus, Platão e Aristóteles entram em uma taberna

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Em uma taberna que não se sabe onde fica, uma grande festa em honra ao Natal estava sendo dada. A casa estava lotada e, por isso, os únicos três garçons que trabalhavam naquela noite estavam exaustos e famintos. Sem nenhum momento para descanso, tudo piorava quando precisavam levar bandejas e mais bandejas de comida para as incontáveis mesas.

No meio daquele local apinhado de gente de todos os lugares, havia uma mesa vazia, com três assentos também vazios e uma plaquinha de papel escrito à mão com uma letra garrafal: "Reservado". Quem havia reservado era um mistério que não demoraria muito mais para ser revelado.

Surge na entrada um sujeito com ombros largos e porte atlético. No rosto, uma barba grossa e não muito grande. Vestia uma túnica comum e sandálias tão comuns quanto. Se não fosse seu tronco largo, passaria despercebido pelos olhos de qualquer um. Se dirigiu até o recepcionista dizendo que a mesa reservada era para ele.

- O senhor deseja alguma coisa? - perguntou o atendente.

- Tudo o que eu não tenho - respondeu o sujeito.

- Chamarei o garçom para anotar o seu pedido.

Enquanto ele olhava o cardápio e anotava mentalmente o que desejava, um outro sujeito se pôs de pé ao seu lado. Um pouco mais baixo que ele, com uma barba branca como a neve e vestido com uma túnica impecável de tão limpa. Não era só sua aparência e vestimentas, mas ele todo tinha uma aura aristocrata.

- Vejo que já está ocupado desejando todo o cardápio, mestre Platão.

- Aristóteles, meu discípulo! - Platão se levantou e abraçou seu pupilo com demasiada força.

E assim que os dois se sentaram, um garçom apareceu. Ele não conseguia esconder a cara de exaustão, mas fez o melhor que pode.

- Qual o pedido dos senhores?

- Eu desejo isso, isso aqui e isso aqui também - dizia enquanto apontava no cardápio. - Deseja algo, Aristóteles?

- Não, mestre Platão. Ficarei feliz com o que vier para a mesa.

- Já te expliquei que o desejo é natural e se não temos algo, desejamos algo, certo? Por exemplo, eu não tenho essa torta de frango que está aqui no menu, logo, eu a desejo profundamente.

- Sei dos seus ensinamentos, mestre Platão. Mas não posso concordar com eles. Veja, você diz que o desejo é o amor pela ausência, já eu acredito que o amor é na presença. Por isso, não me alegro em desejar, alegro-me em ter. Portanto, só serei feliz quando a comida, independentemente do que ela seja, estiver aqui. E o senhor sabe muito bem que o desejo acaba quando o objeto desejado já não é mais ausente, logo, o seu desejo passará quando a comida chegar.

- E a sua alegria também não existirá quando a comida não estiver mais aqui.

Uma hora depois, a comida chega trazida pelo exausto e faminto garçom, que precisou da ajuda dos outros dois exaustos e famintos garçons. Ao mesmo tempo, chega mais uma pessoa. A barba era grossa e escura, assim como o cabelo que era bem curto. Com vestes puídas, sandálias desgastadas e pés castigados pelas andanças, o sujeito saudou os outros dois.

- Amigos, desculpem o atraso. Mas o recepcionista não conseguia crer em mim. Disse a ele meu nome, mas a cor da minha pele causou estranheza a ele que, não sei porque, achava que eu era diferente do que sou.

- Jesus! - saudaram os dois filósofos.

- Sente-se. Você deve estar faminto. O que você deseja? - perguntou Platão.

- A mesa já está posta. Ela não te causa alegria? - indagou Aristoteles.

Então Jesus disse:

- Vocês três que nos servem, sentem-se. Eu não desejo nada e nada me alegraria mais do que ver vocês felizes, descansando e comendo conosco.

- Mas senhor - disse Aristóteles. - Não há mais cadeiras.

- Então, nós levantamos e eles se sentam no nosso lugar. É isso que eu desejo e é isso que me alegrará.

E assim foi feito.

Conhecimento é conquista.

Felipe Schadt é jornalista, professor e cientista da comunicação pela USP (felipeschadt@gmail.com)

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