Data para lembrarmos de nossos vizinhos

18/12/2022 | Tempo de leitura: 3 min

Atualmente, a correria provocada pelos reflexos materialistas leva os indivíduos a se fecharem em si mesmos, já que passam a viver em função de ganhos, posição social e poder, como se tais aspectos fossem fundamentais às suas realizações. Esquecem-se, no entanto, de circunstâncias humanistas e imprescindíveis à própria felicidade, como gestos e atitudes fraternas, relacionamentos afetivos, solidariedade com o próximo, respeito a todos os seres vivos em geral e tantas outras, sobrepostas por interesses exclusivamente pessoais e ao mesmo tempo, embasados em puro egoísmo, que impedem necessários contatos e diálogos com pessoas próximas.

Na realidade, muitos vizinhos sequer se conhecem ou se cumprimentam, mesmo morando às vezes em prédios de apartamentos ou condomínios horizontais, ao contrário de outros tempos em que se visitavam, sentavam-se nas calçadas nos fins de tarde, ajudavam-se mutuamente nas mais variadas circunstâncias e necessidades, compartilhando alegrias e enfrentamento de problemas.

Visando resgatar esse espírito comunitário, desde 1987, existe o Dia do Vizinho, celebrado a 23 de dezembro, sexta-feira próxima, e criado pela Federação das Mulheres Paulistas, em homenagem à contista e poetisa brasileira Cora Coralina, que, durante toda a sua vida, pregou a humanização no convívio entre os seres e de quem partiu a ideia de uma celebração "àquele que é mais que parente, por ser o primeiro a ficar sabendo das coisas que acontecem na vida da gente".

Na ocasião, foi distribuída uma mensagem da escritora, antevendo a aprovação dessa comemoração em caráter nacional, na qual conclamou os brasileiros a atentarem à importância da solenidade, que ainda passa despercebida. Essa mensagem positiva da poetisa goiana objetivou atingir a sensibilidade dos homens e levá-los a se unirem num elo de paz e fraternidade, aspiração que deve ser alcançada, em respeito à própria dignidade humana.

No entanto, apesar da observação da poetisa, atualmente inúmeros cidadãos procuram a Justiça para dirimir problemas com vizinhos, ocorrências denominadas pelos policiais de "desinteligências" e elas se constituem numa das mais frequentes ocorrências atendidas na Capital de São Paulo e grandes cidades brasileiras. Os motivos são, entre outros, os volumes de aparelhos de som ou instrumentos musicais, invasões de bichos de estimação, brincadeiras de crianças, divergências sobre localizações de muros, galhos de árvores que ultrapassam as propriedades e colocações de veículos em frente a garagens alheias.

Tais circunstâncias, repetidas constantemente, acabam levando a um clima de guerra entre eles, com consequências, muitas vezes, imprevisíveis. As causas parecem tão insignificantes e as soluções tão aparentes que as discussões chegam a ser incompreensíveis, mas mesmo assim costumam chegar ao Poder Judiciário.

Conclui-se assim que a proximidade física não quer dizer proximidade afetiva e as relações humanas em centros maiores estão fragmentadas e impessoais, provocando atritos e agressões constantes, até por motivos fúteis, afastando o cultivo do apego entre vizinhos. Pelo menos é o que diz a lenda. Mas pelo interior de São Paulo ainda persiste aquela disponibilidade para bater papo pelos muros ou para pedir emprestada, por exemplo, uma xícara de farinha, que acabou bem na hora de bater o bolo. Realmente precisamos resgatar esse sentimento de coletividade, despertando-nos para aspectos essencialmente humanistas numa época em que predomina uma cultura manifestamente consumista, na qual a busca por bens materiais praticamente dissocia as ligações afetuosas. E diante da atual crise de valores, aproveitemos a data que se aproxima e que louva a convivência, para ressaltarmos e refletirmos sobre o verdadeiro sentido que ela encerra, que é o da amizade sincera e permanente.

JOÃO CARLOS JOSÉ MARTINELLI é advogado, jornalista, escritor e professor universitário (martinelliadv@hotmail.com)

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