100 anos de Francesco Rosi

17/11/2022 | Tempo de leitura: 3 min

Procuro nos arquivos de dois grandes jornais brasileiros e não encontro nada. Nem na Folha de S. Paulo nem no Estadão. Em janeiro de 2015 morria Francesco Rosi, um dos grandes cineastas italianos de todos os tempos. A perda passou em branco nos dois veículos. Se estivesse vivo, Rosi teria completado 100 anos neste 15 de novembro.

Na internet houve alguma lembrança (não posso deixar de citar os amigos Alexandre Cataldo e Tony Vendramini, pelo ótimo trabalho feito no podcast Cinema Italiano, com merecida homenagem a Rosi). Mas, no geral, é pouco para o homem que fez obras fundamentais de nosso cinema moderno, como "O Bandido Giuliano" e "As Mãos Sobre a Cidade".

Para compreender a estatura de Rosi é preciso voltar aos barulhentos anos 1960. O diretor é um dos nomes importantes do chamado cinema político italiano da época. Em sua companhia estavam Monicelli, Bellocchio, os irmãos Taviani, Bertolucci, Petri, Scola, entre outros. É comum, por se tratar da mesma época, lembrarmos mais da nouvelle vague e do cinema novo brasileiro. Ouso dizer que, mais pela produção de filmes de qualidade, menos pela influência, os italianos podem ter superado os franceses, os brasileiros e mesmo os japoneses.

Rosi foi assistente de Luchino Visconti em seu "A Terra Treme", marco do neorrealismo. Teve algumas oportunidades como co-diretor nos anos 1950 até conseguir dirigir sozinho seu primeiro filme, "A Provocação". A sanar qualquer dúvida, o talento seria comprovado em 1962 com "O Bandido Giuliano", que chegou a ser comparado a "Cidadão Kane".

Dá para entender a comparação: como Orson Welles, Rosi fez um filme cujo protagonista "não existe". Quer dizer, só existe pelo olhar dos outros, pelas reações e movimentos do povo siciliano, pelas ações da História que, na tentativa de alcançá-lo, dão-lhe eco. Daí o nascimento de uma lenda que pede distanciamento, dado, com sabedoria, por Rosi.

O filme seguinte é outro marco. Em "As Mãos Sobre a Cidade", Rosi revela a corrupção política na figura detestável de Edoardo Nottola, interpretado pelo norte-americano Rod Steiger. Grande vilão, ele usa seu poder para expandir negócios com foco na exploração imobiliária e no enriquecimento que ela produz. Atualíssimo.

Depois viriam outros filmes interessantes. "Os Bravos da Arena" é considerado pelos espanhóis, segundo nos informa o próprio Rosi em entrevista contida no livro "Cinema Político Italiano", de Angela Prudenzi e Elisa Resegotti, o melhor filme já feito sobre touradas. "Felizes para Sempre", de 1967, é um ponto baixo - ao que parece, apenas um veículo a serviço das estrelas Sophia Loren e Omar Sharif.

O deslize dá lugar a uma série de filmes importantes como "A Vontade de um General", "O Caso Mattei", "Lucky Luciano - O Imperador da Máfia", "Cadáveres Ilustres", "Cristo Parou em Éboli", "Três Irmãos", "Carmen", entre outros. Rosi foi, sobretudo, um homem político que preferiu falar através de seus filmes, sem criar embates com público e crítica.

"Os outros é que têm de falar dos filmes a que assistem e dos quais, talvez, tenham algo a dizer ou criticar. Os diretores podem concordar ou discordar das críticas, mas devem calar-se. Quem fala por mim são meus filmes, e ninguém mais", afirma ele em "Cinema Político Italiano". Com seus filmes, Rosi falou alto. A ele é preciso voltar sempre.

Rafael Amaral é crítico de cinema e jornalista (rafaelamaralreis@gmail.com)

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do SAMPI

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