A pátria de Vinícius

02/11/2022 | Tempo de leitura: 2 min

Reconhecido por seus poemas que tratam do amor, Vinícius de Moraes também produziu poesia engajada, de escancarado conteúdo social. Do jovem religioso militante da mocidade integralista, na década de 1930, ao simpatizante das esquerdas a partir da década de 1940, o carioca Vinícius de Moraes foi não só um poeta talentoso como um dos mais habilidosos letristas da música pop brasileira. E nessas duas vertentes deixou claro de que lado estava: contra reacionários e autocratas de toda espécie. A favor da celebração da vida e contra a intolerância. Como proclama nos versos de "Poética": "a oeste a morte/contra qu<ctk:20>em vivo/do sul cativo/o este é meu norte"); ou ainda em "O haver": "Resta essa faculdade incoercível de sonhar/De transfigurar a realidade, dentro dessa incapacidade / De aceitá-la tal como é (...)".

Logo após a Segunda Guerra, assombrado pela revelação dos campos nazistas de extermínio, Vinícius compôs "Balada dos mortos dos campos de concentração": "Cadáveres de Nordhausen/Erla, Belsen e Buchenwald!/ Ocos, flácidos cadáveres/Como espantalhos, largados/Na sementeira espectral/Dos ermos campos estéreis/De Buchenwald e Dachau (...)".

No seu famoso "O operário em construção", o poeta explicita o engajamento ao acompanhar o momento de revelação de um trabalhador: "(...) Ah, homens de pensamento/Não sabereis nunca o quanto/Aquele humilde operário/Soube naquele momento/Naquela casa vazia/Que ele mesmo levantara/Um mundo novo nascia/De que sequer suspeitava./O operário emocionado/Olhou sua própria mão/Sua rude mão de operário/De operário em construção/E olhando bem para ela/Teve um segundo a impressão/De que não havia o mundo/Coisa que fosse mais bela". Quando morou nos Estados Unidos, acompanhou a luta antirracista e escreveu "Blues para Louis Emmett", o rapaz negro torturado e assassinado por supremacistas por ter assoviado para uma mulher branca.

Mas quero chegar ao "Pátria minha", tributo lírico ao Brasil, a quem o diplomata Vinícius servira em lugares distantes do seu Rio de Janeiro (o secretário de embaixada trabalhou em Genebra, Los Angeles, Montevidéu e Paris): "A minha pátria é como se não fosse, é íntima/ Doçura e vontade de chorar; uma criança dormindo / É minha pátria. Por isso, no exílio/Assistindo dormir meu filho/Choro de saudades de minha pátria./ Se me perguntarem o que é a minha pátria, direi:/Não sei. (...)/Mas sei que a minha pátria é a luz, o sal e a água/Que elaboram e liquefazem a minha mágoa/ Em longas lágrimas amargas.(...) Vontade de mudar as cores do vestido (auriverde!) tão feias/E sem meias, pátria minha/Tão pobrinha!/ Porque te amo tanto, pátria minha, eu que não tenho/Pátria, eu semente que nasci do vento/Eu que não vou e não venho, eu que permaneço/ Em contato com a dor do tempo, eu elemento/De ligação entre a ação e o pensamento/ Eu fio invisível no espaço de todo adeus (...)" E o poeta encerra seus versos com o sexteto "Agora chamarei a amiga cotovia/E pedirei que peça ao rouxinol do dia/Que peça ao sabiá/ Para levar-te presto este avigrama: /"Pátria minha, saudades de quem te ama…/ Vinícius de Moraes.".

Fernando Pellegrini Bandini é professor de Literatura (fpbandini@terra.com.br)

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