"Levanto os meus olhos para os montes e pergunto: De onde me vem o socorro?" - Salmo 121
Já não é novidade para ninguém as imensas dificuldades que encontramos em nossos dias. Às vezes parece que não adianta nada tanta tecnologia, tantos bens de consumo, tanta modernidade. Não conseguimos resolver problemas antigos e recorrentes, como uma... peste!
Sem contar os problemas e questões de ordem pessoal: a solidão, a angústia, a tristeza. Mas inevitavelmente precisamos aliar a isso tudo novas questões que se levantam: o que é fake ou não. O que é crime realizado de forma on-line ou não.
Nunca vimos, de forma tão palpável e objetiva, a elaboração e aplicação de novas leis e condutas para novos crimes. E tudo isso confunde e acirra ânimos.
O que dizer sobre a atuação da Justiça brasileira, por exemplo (um amigo querido me perguntou o que eu pensava disso e eis aqui)? Vamos aos especialistas, estudiosos. Há múltiplas interpretações. Qual a correta? Ainda não consigo definir. E exatamente essa minha resposta diz muito sobre o que o mundo espera de todos nós: uma opinião conclusiva e recheada de bons argumentos. E que convença imediatamente o interlocutor. Mas como fazer isso se ninguém quer ser convencido? Ninguém quer aprender. Mas por que? Por que não posso parar, ver como as coisas vão acontecer para daí eu conseguir elaborar o meu veredito?
Outro querido amigo, o professor Antonio Vieira, sociólogo e antropólogo de mão cheia, chama isso de dialética do obscurantismo (sugiro a leitura do artigo completo dele em https://sociologiadagestao.com/2022/10/25/dialetica-do-obscurantismo/ porque vale muito a pena). Recorro às suas palavras:
"A dialética, que é confrontação e síntese entre contrários, neste momento oscila, também dialeticamente, entre o ideal e o material. O obscurantismo mobiliza, entre progressistas e reacionários, o tal pânico moral. Este é ideia/ideologia pura, na medida em que não há notícia da travestilização de todo o planeta, tampouco de que o Novo Testamento teria sido revogado em favor do retorno ao sumo do Levítico. Cidadãos de bem, feministas radicais, neopentecostais, templários armamentistas e stalinistas, todos unidos em santa aliança para execrar as ideias que giram em torno da diversidade e da democracia. Juntos contra a liberdade individual e a qualquer coisa que lembre, ainda que vagamente, o erotismo, a festa e a possibilidade de ser quem se é."
Genial. E não dá para culpabilizar reacionários ou conservadores, mas todos. Nenhuma corrente de pensamento está livre desse obscurantismo em nossa terra Brasilis.
E há como combater isso? Há como mudar? Recorro novamente ao meu brilhante colega:
"Creio ser difícil encontrar para além de nossas fronteiras, no entanto, uma situação de tamanho delírio e empobrecimento do debate público. Talvez me falte amostra etnográfica ampla o suficiente para realizar uma afirmação tão assertiva mas, no Brasil, esculhambação é categoria sociológica. Grupos de mídia que suprimem a liberdade alheia, por conta de sua prodigiosa distribuição de notícias falsas, reclamam ser vítimas de censura. Denominações que perseguem alegam ser vítimas de perseguição. O Executivo e o Legislativo, que mantêm relação promíscua para manutenção de poder político, reclamam de uma suposta ingerência do Judiciário. A mesma elite que mantém miseráveis subjugados, via aparato repressivo do Estado, alega insegurança. A classe média que vive de salário, universidade pública e concurso público milita pelo fim da legislação trabalhista, do sistema público de educação e deseja o Estado mínimo"
Ou seja, aqui em nossa amostra tupiniquim, as ideias estão cada vez mais desconexas, colocadas de forma aleatória na estante. Tudo parece ao longe organizado, mas está bagunçado. O auxílio, no fim, só pode vir de algum lugar. E que venha rápido. Precisamos suplantar algo disso no domingo.
Samuel Vidilli é cientista social, colaborador do Grupo JJ (svidilli@gmail.com)