Dia das Crianças. Ouvi aquelas com quem convivo na Associação Socioeducacional Casa da Fonte, projeto idealizado e mantido pela Companhia Saneamento de Jundiaí.
Diversas falaram sobre o futuro, com sonhos de bailarina a jogador ou jogadora de futebol. Em meio a eles: medicina, veterinária, advocacia... Conhecendo, no entanto, as dificuldades para seguir a carreira que deseja, uma delas disse que espera ser médica ou babá.
A menina, que possui encargos de cuidadora, deixou uma interrogação: “Como é ser criança, mesmo não sendo?” Ah, e quantas, nesse Brasil imenso, tragadas pelas situações de miséria, pularam a fase da infância.
Carregam também suas dores como luto por gente e animais, distância de familiares, o impacto da notícia de que seu irmão não era do mesmo pai.
Não ter contas para pagar lhes dá tranquilidade, pois sem dúvida sabem o esforço do pai, da mãe, dos dois ou de quem responde por elas. Possuem consciência da necessidade de um Brasil com emprego e iguais oportunidades para todos.
Liberdade no aspecto de abolir preconceitos também aparece na fala de algumas, bem como a necessidade de inclusão para todos.
Bom saber que gostam de brincar de casinha. Divertimento que atravessa os séculos e estimula o imaginário, mesmo que, em determinadas casas, não haja nem mesmo uma mesa para a refeição em comum.
Há quem reflita sobre o uso indiscriminado do celular, que impede o brincar e consideram que as crianças ficarão cada vez mais viciadas; que as coisas elétricas tomarão lugar da bola, do carrinho, da boneca...
O garoto me surpreendeu com a colocação de que, para o futuro, deseja que não falte água para os passarinhos. Recordei-me do escritor Mário Quintana (1906 – 1994): “Poeminho do Contra: Todos esses que aí estão/ Atravancando meu caminho/ Eles passarão.../ Eu passarinho!”
Como escreveu Cecília Meireles (1901-1964) em estudo sobre a infância: “A criança não é um boneco, cujas habilidades ou inabilidades se exploram. É uma criatura humana, com todas as forças e fraquezas, todas as possibilidades de evolução ou involução inerentes à condição humana”.
Essenciais, para o menino, a água e os passarinhos. A água é plena de vida. Volto-me para o Livro do Gênesis, na Bíblia, em seu primeiro capítulo, versículo 2: “A terra estava informe e vazia; as trevas cobriam o abismo e o Espírito de Deus pairava sobre a água”. Depois veio a luz, o firmamento com luzeiros, a junção das águas, os seres vivos e, finalmente, o ser humano.
Os passarinhos: necessidade do voo para atravessar o fio tênue que leva além do horizonte.
Escreveu o poeta Manoel de Barros (1916-2014): “Para encontrar o Azul eu uso pássaros”.
É o Azul que desejo a todas as crianças do mundo.
Maria Cristina Castilho de Andrade é professora e cronista