ABRIGAMENTO

Apesar de tudo, crianças que mesmo ‘abrigadas’ retomam infância e identidade

Por Nathália Sousa | Jornal de Jundiaí
| Tempo de leitura: 5 min
Daniel Tegon Polli
Crianças que precisam, por algum motivo, viver em um abrigo, perdem uma parte de sua infância
Crianças que precisam, por algum motivo, viver em um abrigo, perdem uma parte de sua infância

Crianças que precisam, por algum motivo, viver em um abrigo, perdem uma parte de sua infância. Mesmo assistidas por profissionais, não têm sutilezas que fazem parte do período, um carinho único. Muitas delas acabam, por consequência, forçadas a amadurecer mais cedo, mas lutando em resistência, têm suas brincadeiras favoritas, amigos na escola e se desenvolvem, de todo modo, passando por suas infâncias.

Coordenadora da Casa de Nazaré, Maria Aparecida da Silva diz que há um processo para que a criança se restabeleça no abrigo. “A criança chega aqui muito destruída. Toda violência vai tirando da criança o sonho, a esperança. O acolhimento para a maioria tem sido um alívio, por estarem em um espaço protegido e conseguirem cuidar da saúde, pensar na escola, no lazer. A gente percebe que é um período até de conforto, mas depois vem a falta que a família, mesmo agressora, faz. Muitas vezes a criança entende a violência como um castigo e se sente culpada porque ela também tem um afeto. Com carinho, aqui a gente mostra que ela não pode sofrer a violência. Elas querem voltar para a família, mas não naquela condição de antes. Esse é o sonho deles.”

Maria diz que o acolhimento aumentou neste ano e há atualmente 30 acolhidos entre 1 e 17 anos. “Temos uma rede socioassistencial que faz um trabalho em parceria com o Conselho Tutelar e só acolhe quando não tem outra possibilidade, quando é esgotado o contato com parentes, avós, padrinhos. Então, quando se faz o acolhimento, essa criança já foi acompanhada por um tempo e ela pode ter sofrido violência psicológica, física, emocional.”

A coordenadora conta que o acolhimento devolve à criança a percepção de afeto, de capacidade e seus direitos. “Todas elas querem uma família, a sua, se possível, ou outra. Isso é muito claro, desde pequena até adolescente. Não tiveram a primeiríssima infância, infância, adolescência. Tiveram que pular etapas por conta do ambiente”, explica.

Por conta disso, o atendimento psicológico é sempre necessário, mas acaba sendo difícil para a Casa de Nazaré oferecer esse tratamento. “Precisamos sempre de voluntários de psicologia para trabalhar porque, com a carga que as crianças têm, precisam de atendimento com qualidade e não temos recursos para pagar. Também não temos atendimento suficiente pela rede. Se alguém atendesse, levávamos, buscávamos, mas precisamos sempre desesperadamente de psicólogos voluntários.”

Coordenadora do Sítio Agar de Várzea Paulista, Janaína Aguiar Silva Pipoli conta que o local recebe recursos, mas doações é a principal manutenção. “Atualmente, estamos com 15 acolhidos, entre 3 meses e 17 anos. Temos nove adolescentes e seis pequenos. Nosso serviço é destinado a crianças e adolescentes envolvidos em medidas de proteção, em risco pessoal, social ou em condição de abandono, crianças e adolescentes que tiveram seus direitos violados. A grande maioria dessas crianças e adolescentes é trazida através do Conselho Tutelar, geralmente a partir de denúncias. A instituição recebe recursos municipais, estaduais e federais, mas grande parte da nossa receita vem de doações, campanhas de arrecadações e através de nossos projetos.”

O abrigo de Várzea Paulista também recebe crianças e adolescentes apenas depois de esgotadas as alternativas. “A equipe técnica realiza um estudo e levantamento de todos os familiares para uma possível reinserção na família de origem, somente quando se esgotam todas as possibilidades, a criança é inserida no programa de adoção e colocada em família substituta.”

“Quando as crianças chegam à instituição é realizado todo um acolhimento para que ela se sinta bem, nós procuramos mantê-las na escola. Existe um período de adaptação porque chegam aqui bem assustados. Temos uma equipe técnica composta por psicóloga, assistente social e pedagogo para realizar conversas e atendimentos com essas crianças e adolescentes sobre o que gostam, o que faziam. Existe um período de adaptação de 15 dias e depois disso procuramos incluí-las em atividades do município, inserindo uma rotina. Algumas crianças mantêm o contato com a família, quando a decisão judicial permite. Então, com agendamento durante a semana, os familiares vêm e passam um período dentro da instituição com eles”, conta Janaína sobre o processo de readaptação ao convívio com a família de origem.

NOVA INFÂNCIA

Acolhido na Casa de Nazaré, Luca*, de 9 anos, sonha em ter a mesma profissão do novo pai, que está em processo de adoção. “O que eu mais gosto de brincar é de futebol. Vou para a escola e gosto de brincar e conversar com meus amigos lá. Quando crescer, eu quero ser chef de cozinha. O que mais gosto de comer é arroz, feijão, salada e bife. Meu novo pai é chef de cozinha. Ainda não fui a  casa dele, mas a gente conversa e fui ao shopping com ele. Hoje minha maior vontade é ir para casa com eles.”

Emily*, de 10 anos, também está na Casa de Nazaré, gosta de desenhar e quer ser pintora. “Estou no quarto ano na escola. Minha matéria preferida é Artes, gosto de desenhar, gosto de mexer com tinta também, sujo toda a mão, a roupa. Rosa é a minha cor preferida. Gosto de brincar de pega-pega, tem o dia do brinquedo e parque na escola. Gosto de brincar com bola, jogo futebol e basquete. Quando eu crescer, quero ser pintora.”

Já Ana*, de 15 anos, tem hobbies característicos da idade e quer ser psicóloga. “Estou no nono ano. Gosto de Ciências, de Artes. Quero ser psicóloga, ter a minha clínica e talvez dar aula, mas vou pensar se é isso mesmo que eu quero. Eu procuro ajudar às vezes com as crianças menores. Gosto bastante de ler, às vezes eu desenho, às vezes eu escrevo.”

No Sítio Agar, Cecília*, de 7 anos, gosta de brincadeiras relacionadas a comida, principalmente a sua favorita: pipoca. “Gosto de brincar de comidinha, de cozinha. Gosto de pipoca e de brincar de cozinhar pipoca. Gosto de acordar cedo, vou para a escola e gosto das atividades, brinco no parquinho. Eu sei ler, já sei escrever o meu nome. Quero ser professora quando crescer. Gosto de fazer conta e escrever, quero ser professora de matemática.”

Também no Sítio Agar, Patrícia*, de 16 anos, também quer ser professora de matemática. “Gosto de brincar no pula-pula e de pega-pega. Adoro acordar cedo, gosto de estudar, o que eu mais gosto é matemática. Eu quero trabalhar como professora. Quero dar aula de matemática.”

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