Defender a opinião contrária à da maioria cobra seu preço. Nas redes sociais funciona assim: o que deveria ser um campo para a livre circulação de expressões e pensamentos, não raro dá lugar a um ambiente tóxico àqueles que ousam divergir da maioria, que tentam furar a bolha - em qualquer assunto, da política ao futebol, da arte ao paredão do BBB. É preciso aplaudir os poucos que ainda recusam a adesão confortável à expressão da manada.
Na crítica de cinema não é diferente: falar mal de um filme ou cineasta querido por quase todo mundo pode gerar ondas de insatisfação. Da minha parte, adoro ler críticas - mais fora do que dentro das redes sociais, onde a profundidade é algo cada vez mais raro - que atacam filmes ou cineastas que admiro - desde que bem fundamentadas e com gatilhos ao pensar.
Um dos maiores críticos de cinema do Brasil, Antonio Moniz Vianna analisou filmes sem se deixar influenciar por barulhos e ondas do momento. Moniz escreveu sobre alguns grandes clássicos no calor da hora, ou seja, em suas estreias. Sobre "Ben-Hur", no Correio da Manhã, disse se tratar de "uma longa monotonia de 212 minutos" e que seu diretor, William Wyler, estava então alinhado aos mais nulos realizadores da época. Falar mal de "Ben-Hur" seria mais ou menos como falar mal, hoje, de sucessos de público e crítica como "O Senhor dos Anéis" ou "Top Gun - Maverick" (sem a pretensão de comparar qualidades artísticas).
Moniz viveu também um momento de virada, na passagem do cinema clássico para o moderno, com o surgimento das chamadas "novas ondas" em diferentes países - entre eles o Brasil. Assistiu à ascensão de Fellini, Godard, Antonioni e Glauber Rocha. Outros grandes críticos de cinema também acompanharam de perto essas transformações.
Caso de David Neves, também cineasta, que atacou "A Doce Vida", de Fellini, na ocasião de seu lançamento no Brasil. Para o autor, a metragem excessiva é um problema e, em seu desfecho, o filme "parece ficar sem saber para onde ir". Falar mal de "A Doce Vida" seria mais ou menos como falar mal, hoje, de "Parasita" ou "Roma".
Nos Estados Unidos, poucos críticos tiveram tamanha coragem e honestidade intelectual como Pauline Kael. Ler suas críticas é mergulhar em diferentes ângulos, em argumentos bem construídos e uma linguagem sofisticada. Kael atirava e o fazia com classe. Ficaram famosas suas observações sobre "2001: Uma Odisseia no Espaço", de Stanley Kubrick, que, para ela, "é o maior de todos os filmes de amador". Segundo Kael, Kubrick pôde fazer, com seu épico, "todas as coisas burras que ele queria fazer, montar enormes cenários e equipamentos de ficção-científica, sem jamais se dar ao trabalho de imaginar o que ia fazer com eles".
Sobre o grande "Cinzas no Paraíso", Kael disse se tratar de "uma árvore de Natal vazia onde podemos pendurar todas as nossas mudas metáforas" e, sobre o clássico "Rastros de Ódio", "um filme peculiarmente formal e afetado", "com frequência estático", no qual "as tentativas de interlúdio cômico de [John] Ford são um fiasco - sobretudo o humor masculino grosseiro".
"Ben-Hur", "A Doce Vida", "2001", "Cinzas no Paraíso" e "Rastros de Ódio" são alguns de meus filmes de cabeceira, aos quais sempre retorno. Ler opiniões diferentes sobre obras tão amadas não diminui minha admiração por esses autores. Ao contrário, seus pontos de vista ajudam a expandir os meus. Esse é um dos baratos da crítica.
Rafael Amaral é crítico de cinema e jornalista; escreve em palavrasdecinema.com