Sir James Frazer, antropólogo escocês que morreu em 1915, aos 87 anos, foi dos primeiros pesquisadores a fazer estudo comparativo entre mitos e folclores de várias culturas, levantando a tese de que o pensamento humano evoluiu de uma fase mágica para outra religiosa e daí para um estágio realista. Legou à humanidade obra monumental chamada O ramo de ouro, que levou anos para concluir. Num dos capítulos, o autor faz aproximações entre o Adônis da mitologia grega e o Tamuz da literatura babilônica. No calendário de ambos os povos havia um mês dedicado a estes deuses.
Tamuz, jovem marido de Istar, a grande deusa-mãe, personificação de todas as energias reprodutivas da natureza, é a face espelhada de Adônis, que devia viver metade do ano com Perséfone, no mundo das trevas, e outra metade com Afrodite, no mundo da luz. Conta-nos Frazer que “Tamuz morria anualmente (...) e todos os anos sua amante divina viajava em busca dele para a terra de onde não há retorno, onde o pó se acumula na porta e no ferrolho. Durante sua ausência, a paixão do amor deixava de atuar: homens e animais se esqueciam de se reproduzir, toda vida ficava ameaçada de extinção. Tão intimamente ligadas à Istar estavam as funções sexuais de todo o reino animal que, sem a sua presença, elas não podiam ser realizadas (...) A inflexível rainha das regiões infernais, Alatu, permitia, não sem relutância, que Istar fosse aspergida com a água da vida e partisse, provavelmente em companhia de Tamuz, para o mundo superior. Com esse retorno, toda natureza revivia.”
Primavera/verão; outono/inverno: muitos mitos foram sonhados para explicar as mudanças que se faziam sentir no manto que cobria o planeta. E com eles surgiam os rituais de fertilidade que perduraram através dos séculos. Na era cristã, ainda que fossem considerados pagãos, já não seria mais possível acabar com eles. Segundo Frazer, é por esse motivo que a Igreja Católica, em vez de os condenar, adaptou-os a comemorações como as do dia de São João, que teria nascido em 24 de junho, solstício de verão no hemisfério norte. Um aspecto pitoresco que aproxima a festa de São João das de Adônis e Tamuz é a fogueira. Este costume de acendê-la na noite é antiquíssimo. Se em tempos remotos as chamas tinham por foco livrar as plantas e colheitas dos espíritos maus que poderiam impedir a fertilidade, com o Cristianismo elas passam a lembrar um fato hagiográfico - o nascimento de João Batista, ocorrido alguns anos antes de Jesus. Isabel, mãe de João, havia combinado com Maria, sua prima e futura mãe de Cristo, que quando o filho nascesse acenderia uma fogueira no alto do morro onde morava para que esta tomasse conhecimento do fato.
João Batista morreu degolado no dia 29 de agosto do ano 31 dC, a mando de Herodes Antipas, que atendeu a um pedido de sua enteada Salomé. A cabeça do profeta, que estava preso por conta de suas críticas ao comportamento da corte, foi entregue à moça numa bandeja. Esta cena tétrica inspirou pintores famosos ao longo dos séculos. A pregação de João incomodava especialmente à mãe da dançarina Salomé, a tal Herodíades, que tinha sido mulher do irmão deste Herodes Antipas. Que, a bem da verdade, já não era aquele que havia mandado degolar as criancinhas por ocasião do nascimento de Jesus, mas outro, homônimo. História, histórias.
Muito querido dos brasileiros, São João é celebrado de forma grandiosa no Nordeste, onde a festa dura dias. Em todo o Brasil ele tem milhares de devotos que o levam muito a sério e o fazem de oráculo nas adivinhações. Isso vem de longa data. Frei Vicente do Salvador, um dos nossos primeiros cronistas, registra em crônica de 1603 que “os índios acudiam a todos os festejos portugueses, em especial os de São João, por causa das fogueiras, da música e das capelas.”
Além de fogueira, música e capelas, a festa de São João continua tendo muita comida à base de milho. É de milho, então, o bolo que sugiro hoje para ser preparado na quinta-feira, 24. Os termômetros devem estar em baixa, registrando o primeiro dia do inverno no hemisfério sul. Nada melhor do que uma fatia de bolo e um copinho de quentão na noite mais longa do ano.
Corte rente ao sabugo os grãos de quatro espigas de milho que estejam bem granadas. Meça-os na xícara de chá, que deve ficar bem cheia. Coloque no copo do liquidificador o leite, o óleo, os ovos e bata por dois minutos. Junte aos poucos os grãos de milho. Bata por mais três minutos. Coloque a massa numa tigela, acrescente o açúcar e a milharina. Por fim agregue o fermento e mexa delicadamente para que ele se espalhe por toda a massa. Unte uma assadeira com óleo e polvilhe farinha. Despeje a massa e leve ao forno preaquecido por 40 minutos. Não abra a porta do forno antes de meia hora. Para ver se está assado espete a ponta de um palito e observe se ela sai seca, sinal de que a massa já não está mais crua. Assim que estiver morno polvilhe uma mistura de açúcar e canela. Depois, corte em retângulos ou quadrados e sirva.
INGREDIENTES
2 xícaras (chá) bem cheias de grãos de milho verde
2 xícaras (chá) rasas de açúcar
2 xícaras (chá) de milharina
2 xícaras (chá) de óleo
2 xícaras (chá) de leite
6 ovos
1 colher (sopa) de fermento em pó
Açúcar e canela para a cobertura
porção: 10
dificuldade: fácil
preço: econômico