O "Dezembro Lilás", campanha nacional de combate à violência contra a mulher, chega à sua reta final em 2025 evidenciando um país de extremos. Se por um lado instituições lançam tecnologias inéditas de proteção e leis de reparação física, por outro, o Brasil enfrenta os números mais sangrentos desde a tipificação do feminicídio, com uma violência que se tornou endêmica e cruel.
Em Franca, o reflexo desse cenário é imediato: segundo a DDM (Delegacia de Defesa da Mulher), a cada três dias, uma pessoa é presa na cidade por violência contra mulheres ou crianças, exigindo do poder público uma ampliação urgente da rede de acolhimento.
O mapa da tragédia: 2024 e 2025 sob alerta vermelho
Os dados consolidados desenham uma crise de segurança pública. O ano de 2024 encerrou com o maior número de feminicídios da história do país desde 2015, contabilizando 1.450 brasileiras assassinadas pelo simples fato de serem mulheres.
A tendência de alta seguiu implacável em 2025. A capital paulista bateu seu recorde histórico com 53 feminicídios antes mesmo do ano terminar. No estado de São Paulo, houve um aumento de 8% nos casos entre janeiro e outubro.
"A violência contra meninas e mulheres não começa quando episódios extremos acontecem. Ela é produzida e reproduzida culturalmente desde a infância, quando crianças aprendem quem deve exercer controle e poder", analisa Ana Nery, especialista em gênero da ONG Plan Brasil.
O recorte racial da violência permanece alarmante: mulheres negras (pretas e pardas) representam 60,4% das vítimas de violência adulta, contra 37,5% de mulheres brancas, evidenciando uma vulnerabilidade social e estrutural muito superior.
A anatomia do crime: o Modus Operandi da brutalidade
Relatórios periciais e policiais revelam que não apenas o número de mortes aumentou, mas a crueldade dos atos se intensificou. Ao contrário da violência urbana comum, o inimigo dorme ao lado: 67% dos casos ocorrem dentro de casa.
- Armas Brancas: A maioria das vítimas no estado não morre por armas de fogo, mas por facas, ferramentas ou objetos contundentes, indicando crimes de proximidade e ódio passional.
- A Assinatura da Defesa: Telma Rocha, fotógrafa técnico-pericial do DHPP com 30 anos de experiência, descreve o que mais choca nas cenas de crime: os "ferimentos de defesa". São cortes nas mãos, nos braços e unhas quebradas, provas silenciosas de que essas mulheres lutaram fisicamente por suas vidas até o último segundo contra seus companheiros.
Casos recentes ilustram essa brutalidade, como o de Tainara Souza Santos, arrastada por 1km por um carro em São Paulo, e o caso local em Franca de Amanda Farias de Araújo, atropelada e morta pelo marido, que confessou o crime alegando ciúmes.
Tecnologia e lei: as novas armas de defesa
Diante da falência de medidas preventivas tradicionais, a semana do dia 10 de dezembro — Dia Internacional dos Direitos Humanos — foi marcada por inovações tecnológicas e legislativas.
1. O App "Trabalho sem Assédio!"
Desenvolvido em parceria entre o Ministério Público do Trabalho (MPT) e a Unicamp, o aplicativo foi lançado para combater a violência no ambiente laboral — onde a Justiça registrou mais de 458 mil ações de assédio moral em quatro anos.
- Como funciona: Gratuito e sigiloso, o app utiliza histórias ilustradas para ajudar a vítima a identificar abusos e denunciar.
- Segurança: A Unicamp atuará como "abrigo institucional", garantindo que a ferramenta não seja descontinuada por mudanças políticas. O MPT já estuda incluir módulos sobre Assédio Eleitoral na plataforma.
2. Sorriso e Dignidade (Lei nº 15.116/2025)
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva sancionou uma lei vital para a recuperação da autoestima das vítimas. Baseada no dado estatístico de que 60% das agressões domésticas visam o rosto da mulher, a lei garante, via SUS, tratamento odontológico completo.
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Cobertura: Inclui reconstrução óssea, próteses, ortodontia e estética, exigindo apenas a apresentação de documentos que comprovem a violência (como o B.O.).
O cenário em Franca: acolhimento, repressão e auxílio
Franca opera em tensão constante entre o aumento da demanda e o fortalecimento da rede de proteção.
A Delegacia de Defesa da Mulher (DDM) de Franca prendeu mais de 100 agressores no período de um ano. Em 2024, foram apreendidas 12 armas de fogo em ocorrências domésticas. O ano de 2025 já começou tenso, com cinco prisões realizadas apenas em janeiro. Os dados detalhados de 2025 ainda são foram divulgados pela Secretaria de Segurança Pública .
Já a Prefeitura, através do Núcleo Reconhecer, ampliou os atendimentos de 100 para 150 mensais.
- Onde: Rua General Telles, 642, Estação.
- Casa Abrigo: Para casos extremos, a cidade mantém um abrigo de endereço sigiloso com capacidade para até 15 pessoas (mulheres e filhos), focado em vítimas com risco iminente de morte.
Para muitas, a dependência financeira impede a denúncia. Para combater isso, o programa de Auxílio-Aluguel do Governo de SP (R$ 500 mensais) já beneficiou 81 mulheres na região de Franca. Para ter acesso, é necessário ter medida protetiva vigente, renda familiar de até 2 salários mínimos e comprovar vulnerabilidade.
Em Franca, a sociedade civil respondeu com a "Onda Laranja". No dia 30 de novembro, o Grupo Mulheres do Brasil levou 300 pessoas à Avenida Presidente Vargas, protestando não apenas contra o feminicídio, mas contra a violência moral e psicológica cotidiana.
Serviço: onde buscar ajuda em Franca
Se você está sofrendo violência ou conhece alguém que esteja, a denúncia e o acolhimento são os primeiros passos para interromper o ciclo que pode levar ao feminicídio.
- Emergência (Risco Imediato): Polícia Militar - 190
- Central de Atendimento à Mulher: 180 (ou WhatsApp: 61 9610-0180)
- Núcleo Reconhecer (Acolhimento Psicossocial e Jurídico):
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Endereço: Rua General Telles, 642, Estação.
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Horário: Segunda a sexta, das 8h às 17h.
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