OPINIÃO

Bengalas de silício — e cérebros de vidro

Por Wellington Anselmo Martins |
| Tempo de leitura: 2 min
Mestre em Filosofia (Unesp)

Fortalecer as pernas é sempre mais digno do que colecionar bengalas. O músculo, quando exercitado, é liberdade em estado bruto. O mesmo vale para a mente: o cérebro só amadurece se for desafiado, se enfrentar o peso da dúvida e da reflexão. Não há robô que deva substituir o esforço do pensamento humano — e humanizado.

A inteligência artificial (IA), cada vez mais celebrada, é a bengala que adestra a dança do cérebro. O fascínio pela tecnologia repete o mesmo erro de quem troca a firmeza do corpo pelo enfeite da muleta: parece conquista, mas é apenas uma renúncia disfarçada. Quem prefere a bengala cara à perna forte troca saúde por vaidade — e chama isso de progresso.

A busca por bengalas de última geração é o atestado de que as pernas atrofiaram. Hoje, há como que um sedentarismo mental. O vício preguiçoso, ou sobrecarregado, de terceirizar o raciocínio às máquinas denuncia que a mente se acomodou — ou que a pessoa está sendo hiperexplorada na sua escola ou emprego e, por isso, procura por atalhos produtivistas.

Mas mais útil é o suor na perna do que o brilho da bengala; mais útil é a dúvida bem pensada do que a resposta automática. Quem habitua o pensamento na máquina compra uma prisão. O cérebro que não se exercita vira cliente fiel da IA, um escravo elegante, incapaz de caminhar sozinho. A bengala de grife só é soberba para quem já se ajoelhou à própria fraqueza, à própria ignorância.

A facilidade tem um preço: toda bengala, por mais bela que seja, é um peso que nos impede de correr. Fortalecer a perna é conquistar o chão; fortalecer o cérebro é conquistar sentido. E não há atalhos para a liberdade de sentido.

Entre a força que vem de dentro e a ilusão da inovação, a escolha é clara: é melhor aprender a andar, apesar dos tropeços, do que ostentar bengalas de ouro.

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