VIOLÊNCIA EXTREMA

DF: polícia descarta tentativa de feminicídio; advogada discorda

Por Fabíola Perez | Folhapress
| Tempo de leitura: 5 min
Reprodução de vídeo
Empresário Cléber Lúcio Borges é acusado de espancar a companheira dentro de um elevador no Distrito Federal
Empresário Cléber Lúcio Borges é acusado de espancar a companheira dentro de um elevador no Distrito Federal

A Polícia Civil descartou indícios de tentativa de feminicídio no caso do empresário Cléber Lúcio Borges, 55, acusado de espancar a companheira dentro de um elevador no Distrito Federal.

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Delegado Marcos Lourdes disse que "em momento nenhum" o caso foi considerado tentativa de feminicídio. Loures disse à reportagem que o empresário interrompeu as agressões. "Isso demonstra que ele não queria matá-la. Ele poderia pisar, pular em cima dela, continuar socando", disse.

Polícia diz que o empresário tinha arma e munições em casa. "Ele tinha arma dentro de casa e mesmo assim, quando o elevador parou, ele não entrou em casa para pegar a arma", descreve o delegado, que vê no comportamento do empresário mais um indício para classificar o crime como violência doméstica -e não tentativa de feminicídio.

O delegado diz que "não pode dar uma classificação indevida". "Tomamos todas as providências para preservar a vida da vítima. Por mais que tenha sido brutal, não dá para dizer que foi uma tentativa de feminicídio."

Na ação, a qual a reportagem teve acesso, empresário é defendido pela Defensoria Pública. O espaço segue aberto para manifestações.

"É muito prematuro descartar linha investigativa", diz advogada especializada em direitos das mulheres. Para Anuska de Castro Schäffer, o empresário não ter buscado a arma não anula uma eventual tentativa de feminicídio: "Vítimas [de feminicídio] são agredidas com facadas, socos e qualquer coisa que está nas mãos da pessoa". A presidente da Comissão das Mulheres Advogadas da OAB-SP, Maíra Recchia, concorda que é cedo para descartar uma possibilidade de enquadramento penal: "Não dá para descartar porque me parece que havia ânimo de matá-la", diz.

Reconhecer tentativas de feminicídio esbarra na resistência das autoridades policiais e judiciais. "É extremamente difícil reconhecer violência doméstica e feminicídio pelas autoridades. Quando sai da relação conjugal, é pior ainda", afirma Anuska. "Nesse caso, a depender do nível da brutalidade, seria possível dar cabo da vida da pessoa, mesmo sem ter tido a intenção."

Descartar tentativa de feminicídio seria "argumento da defesa" em casos como esses, diz advogada. "Temos uma grande dificuldade de as autoridades qualificarem como tentativa de feminicídio", diz Maíra. "Trata-se de uma relativização da violência, uma subjetivação. Isso demonstra o quanto as mulheres são subjugadas e relativizadas como pessoas que possuem direitos e proteção estatal."

Autoridades não analisam sob a perspectiva de gênero, diz advogada. "O Brasil tem muita legislação que visa proteger os direitos das mulheres ?Lei do Feminicídio, Lei Maria da Penha, Lei Mari Ferrer. Se precisamos ter essas leis, é sinal de que a gente fracassou enquanto sociedade", diz Maíra.

Investigação

A mulher foi internada após ter ingerido grande quantidade de medicamento, disse o delegado. "Estou investigando violência psicológica. Esse laudo [médico] vai esclarecer se ela foi internada pelos hematomas ou pelos medicamentos que estaria tomando", afirmou. De acordo com a mãe, ela sofria violências físicas e psicológicas.

O delegado espera receber os laudos médicos. "Vou receber o prontuário, e o IML (Instituto Médico Legal) vai analisar as lesões", disse Lourdes. A mulher teve fraturas no rosto e edemas no corpo, segundo a Polícia Civil. Ela foi internada em um hospital particular do Distrito Federal.

Caso foi enquadrado como violência doméstica, disse delegado. Segundo Lourdes, o empresário pode pegar até dez anos de prisão, sendo sete por violência doméstica e dois por porte ilegal de armas. A previsão do delegado é de que o caso seja encerrado em uma ou duas semanas.

Espencada em elevador

Câmeras de segurança de um elevador registraram a agressão. O agressor é o empresário Cleber Lúcio Borges, de 55 anos. Ele aparece na gravação espancando a companheira, de 34 anos.

A vítima estava na garagem à espera do elevador para subir para o apartamento do casal. Ela foi surpreendida pelo agressor, que saiu do elevador dando socos e cotoveladas. As imagens mostram a mulher tentando se defender. Sem sucesso, ela acaba caindo no chão. O vídeo tem cerca de dois minutos.

Ela não pocurou a polícia. As autoridades foram acionadas pela mãe dela. A advogada Maíra lembra que a responsabilidade pelos encaminhamentos e pela investigação do caso é das autoridades. "Nunca podemos transferir a responsabilidade da proteção estatal para as vítimas, é mais uma forma de violência", diz.

O agressor disse que daria "lição" na companheira, disse a mãe da vítima à polícia. Antes de ser agredida, a mulher ligou para uma amiga, disse que estava com medo e perguntou se podia ir para a casa dela. Depois de estacionar o carro, a vítima planejava subir até o apartamento para pegar o cachorro e uma mala, mas foi surpreendida pelo companheiro ao tentar pegar o elevador.

Cléber tinha duas armas de fogo e mais de 500 balas em casa, apesar de não ter autorização para posse de armamentos. A prisão em flagrante foi realizada na manhã de quarta-feira, no endereço comercial do agressor, disse a polícia.

Denuncie

Ao presenciar um episódio de agressão contra mulheres, ligue para 190 e denuncie. Casos de violência doméstica são, na maior parte das vezes, cometidos por parceiros ou ex-companheiros das mulheres, mas a Lei Maria da Penha também pode ser aplicada em agressões cometidas por familiares.

Também é possível realizar denúncias pelo número 180 e pelo Disque 100. O primeiro é da Central de Atendimento à Mulher, e segundo apura violações aos direitos humanos. Há ainda o aplicativo Direitos Humanos Brasil e através da página da Ouvidoria Nacional de Direitos Humanos do Ministério dos Direitos Humanos e Cidadania. Vítimas de violência doméstica podem fazer a denúncia em até seis meses.

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